Vivendo no Depósito
— Veja o que eu trouxe, acho que você vai gostar! Disse ele, o cara que me trouxe aqui em baixo.
Era uma torta de prestígio deliciosíssima, ele sentou no sofá frente a mim e começou falar sobre como lá em cima as coisas estavam difíceis e chatas.
— Quando é que você vai me levar lá pra cima? indaguei
— Ainda não é possível, as coisas estão bem confusas melhor esperar mais um pouco.
Já tinha ouvido tanto a palavra "esperar" que comecei até a odiá-la,
pois é, a culpa nunca foi da palavra, mas os sentimentos que ela me causava.
Ele sempre me trazia ótimas comidas, o depósito era confortável, me fazia visitas durante a semana mas no final de semana sumia, e eu ouvia... eu ouvia os passos dele lá em cima, as risadas, o arrastado de móveis, a TV ligada, também sentia o cheiro que vinha da cozinha.
No começo foi divertido ficar no depósito, era algo diferente de tudo que havia vivido, mas agora eu me sentia refém, meus ouvidos estavam cansados de ouvir promessas que não se cumpriam, o depósito só me foi atraente pois me foi dito que seria algo temporário.
Fui convencida a entrar ali, mas também fui fraca ao ter entrado, e nesse tempo de solidão que me encontro, começo me perguntar se eu devo ficar trancafiada no depósito. A minha beleza vai morrer com o tempo, e no auge dela onde estou? Eu estou vivendo no depósito, ninguém me vê, senão ele, minha pele já começou pedir a vitamina D, meu corpo deseja a clareza.
Cada dia que passa não me contento mais em ficar aqui em baixo, observo a pequena janela e só me imagino quebrando-a e pulando ela.
Depois de quebra-la precisarei correr, correr pra longe daqui e pra perto de mim, me reconectar comigo, entender os porquês de ter deixado essa situação se agravar, ir pra onde eu não ouça a voz dele me chamando para novamente: viver no depósito.