Calorimetria
De repente, o escuro da madrugada apresentou o corpo dela à minha cama de solteiro, deitada por cima da parte do cobertor que não me cobria. Não era quente nem frio, era um corpo morno. Me era repugnante algo tão neutro. De alguma forma, eu sabia que ela não estava ali há muito mais do que alguns minutos, talvez uma hora. Ela me percebeu acordada, mas manteve o silêncio até que eu dissesse alguma coisa. Talvez ela não tivesse nada a dizer, talvez fosse cedo pra dizer, talvez fosse tarde. Eu não sabia que horas eram e isso me atacou a ansiedade. Não ter noção de nada além de que isso estava acontecendo, mas não quando, nem como, nem por que nem quanto mais, me deixava preocupada. Também me deixava agitada me indagar por que ela estava tão rígida e encolhida. Então sem explicar nada, ela sugeriu que trocássemos de lugar. Eu sinceramente não sei por qual razão, mas eu não queria. Meu lugar já estava quente e além do mais, a cama era minha. Eu tinha o direito de permanecer onde eu quisesse. Como se ouvisse meus pensamentos, ela reagiu. Seu corpo se enrijeceu mais, seu olhar se estreitou e sua mandíbula se contraiu, mas ela nada disse. Ela se afastou mais um pouco, seu corpo se virando para a janela como quem diz que quer se levantar e ir embora. Emburrada, eu finalmente cedi. Retirei o cobertor e me ergui, esperando que ela passasse pro meu lado e tomei seu lugar, depois dela, vagarosamente, passar pro meu.
Dei de cara com o lado da parede e, Deus, era frio. E duro. Meu corpo se enrijeceu e eu me encolhi, entendendo o por que dela estar daquele jeito. Busquei calor em seu corpo mas ainda não tinha dado tempo dela aquecer, seu corpo tão frio quanto o meu agora. Eu comecei a tremer e indaguei por que ela continuava tão fria ainda, eu não tinha paciência para esperar o calor voltar ao seu corpo, era como se eu fosse morrer de hipotermia. Acho que a essa altura a paciência morreu nela também e ela disse que tinha que ir, já que não estava sendo capaz de dar o que eu queria na hora que eu queria. Quando eu pensava em deixar ela ir, eu preferia continuar com frio, mas então por que eu continuava com todas essas cobranças? Se eu fosse o suficiente pra ela, se ela me amasse ela me abraçaria e então tudo ficaria bem. Ou nós duas continuariamos sentindo frio, porém juntas? Eu não sei, só não considerei esperar o corpo naturalmente esquentar. Não sei se ela não considerou também, ou se apenas se cansou dos meus questionamentos, mas ela insistia que queria ir embora.
- Eu não sou o suficiente pra você? - indaguei.
- Você não é o suficiente pra você? - Ela lançou de volta. Eu não entendi.
- Estou perguntando isso a você. Preciso que me responda. - insisti.
- Você precisa que você se responda.
- Você não me ama?
- Você não se ama?
- Por que não quer me responder?
- Por que não quer se responder?
Emburrada reclamei:
- Você nunca me ouve!
- Você nunca se ouve. - Foi o que ela respondeu.
Eu não entendia nada daquilo, por que ela me tratava assim? Então desisti e decidi que ela fosse embora. Decidi que eu daria um jeito sozinha e aí lembrei do cobertor, que ficou embaixo de nós duas quando trocamos de lugar. Decidi que eu o usaria e adormeceria quentinha da mesma maneira que o fiz antes dela chegar.
- Ok, está tudo bem. Levante-se e vá. É livre.
De repente, todo seu rosto se suavizou e notei seu corpo elevando-se em temperatura. Ela deixou a posição fetal e sua mão pegou a minha, envolvendo-a, me deixando surpresa com como elas estavam macias. A encarei, estupefata. Ela gentilmente guiou minha cabeça ao seu peito e eu segui como um pequeno passarinho pousando em seu ninho depois de aprender a voar.
Então eu entendi tudo.