A rebeldia de uma flor
Ela o espreitava na lida com os cavalos. O corpo forte e musculoso a fazia imaginar cenas que jamais se realizariam entre aquelas paredes. Um dia ele percebeu que ela o olhava por traz da alva cortina. Tirou o chapéu em reverência o que a fez fugir para o interior do quarto, corada num misto de alegria e de grande receio.
De madrugada seu corpo ardeu de uma febre diferente. Não entendia como seu pensamento era, dia e noite, voltado ao desejo de sentir aquela pele escura roçando sua alva tez.
Como se aproximava dos dezesseis anos, temia a hora da revelação do seu matrimônio com algum dos nobres que seu pai, um famoso banqueiro, tinha em boa reputação para tomá-la como esposa. Assim ocorrera com Cândida, sua irmã mais velha que fora trazida às pressas do convento para se casar com um barão, um velho senhor, que se enviuvara repentinamente pela terceira vez e necessitava de uma nova mulher para cuidar de sua prole.
Gimena não tinha esperanças de ter uma vida diferente, não podia contar com sua mãe, que resignada, apoiava silenciosamente as decisões do patriarca. Mas ainda assim jurava para si mesma que não se daria a um casamento arrumado. Era preferível morrer.
Certa vez resolveu se banhar nas águas cristalinas do riacho que corria na fazenda. Mas na realidade, arquitetava uma forma de ter a experiência que tanto almejava. Então pediu a Afonso que lhe preparasse um dos cavalos, pedido que o jovem homem atendeu prontamente. Ao subir no cavalo, ela perguntou se ele conhecia algum atalho para o poço e ele a conduziu, desconfiado das intenções da patroinha. Movido pela emoção que a donzela lhe despertava, a seguiu pela senda que adentrava o bosque. A moça estava radiante e lhe dirigia toda a atenção que jamais imaginara receber.
Quando chegaram próximo às pedras que antecediam o poço, Gimena fez mais um pedido, irrecusável para aquele serviçal que nutria um grande desejo pela donzela que via diariamente pela transparência das tramas macias do voil que esvoaçavam até alta noite, em seus sonhos brutos, de quem estava acostumado a se deitar sob o luar, em redes grotescas, depois de um dia de grande cansaço.
Ele sabia que não devia ceder aos impulsos do seu corpo, mas a moça foi desatando suas tranças, revelando toda graciosidade num sorriso aventureiro que ele não soube resistir. Entraram no regato e experimentaram as delícias que iam além da água fresca. Ela queria se refrescar dos desejos que lhe acometia e ele, inebriado pelas formas que via, reveladas pelas roupas molhadas, queria saciar aquele fogo que a mocinha tocava em seu coração. A paixão foi intensa e o amor, consumado. Agora não havia como retroceder e a ruina dela seria decerto o motivo da morte dele.
Decidiram fugir, embrenharam-se na mata e se perderam. A noite caiu e não tardou ouvirem vozes e ladrar de cães à caça do ladrão raptor da filha do patrão.
O medo e a aflição foram intensos, o arrependimento era tardio... Pela manhã foram encontrados. Mortos, abraçados numa clareia, numa cena rara de amor. Cada qual com seus pulsos cortados pelo pequeno canivete que os libertara de uma sina cortante, certamente de severos castigos e inimaginável horror.