O ANJO RAFAEL E A ESPERANÇA

Certo dia pela manhã, quando eu saía apressado em direção ao trabalho na editora lá no centro da cidade, fui abordado pelo meu amigo Rafael, o Rafinha. Era um menino muito inteligente, de onze anos. Ele sabia que eu era também poeta, pois no seu aniversário de dez anos lhe presenteei com um livro meu, ao saber pela sua mãe o gosto que ele tinha pela leitura. Por isso, naquela manhã ensolarada, o menino chegou pra mim e me entregou um poema que ele escreveu em homenagem ao seu animal de estimação. Ele disse que se eu gostasse , poderia publicá-lo no meu próximo livro.

Eis o poema:

" PARA O MEU CACHORRO BADI LOUIS BRUCE

Um cachorro carente

Abanando o rabinho.

Diz, meu Pai, pra gente

Se nesse mundo o que

Ele mais quer não é carinho?!

Meu Pai me confirmou que sim,

Mas no fundo eu já sabia

Todo mundo é assim

Inclusive o animal.

Porque amor...

Amor não faz mal.

Um cachorro contente

Por não ser rejeitado

É o mais lindo retrato

Da gente

Da gente que encontrou um amor

E é feliz por ser amado. "

Fiquei em estado de devoção após ler o poema! O garoto já se revelava um verdadeiro talento no mundo literário. Também me comoveu o amor dele pelo seu cachorro. Despedi-me dele, prometendo que iria publicar o seu trabalho, alavancando, assim, a sua carreira. Já estava meio atrasado no serviço, mas já não me importava pois havia ganhado o dia lendo aqueles lindos versos.

Por que o cachorro do Rafinha se chama Badi Louis Bruce? O nome foi uma sugestão da mãe do rapazinho, a batalhadora dona de casa Kedma, que homenageou um tio de criação Louis Bruce, que era inglês. Era muito apaixonado por animais, em especial pelos cães. Bruce foi um sobrenome que lhe veio à cabeça, alcunha de forte, sábio, destemido, assim como o querido bichinho. O primeiro nome Badi era porque quando Rafinha tinha três anos de idade, tinha um cachorro brabo na rua onde ele morava, que mexia com todo mundo menos com o nosso anjinho Rafa. Rafa pintava e bordava com o cachorro brabo, puxava as orelhas dele e batia na cabeça gritando : Badi! Badi!... E o cachorro brabo, com Rafinha era manso.

Todas as manhãs, Badi dá um passeio para fazer suas necessidades. Ele late quando está " apertado", e a Kedma abre o portão e deixa-o ir sozinho. Ele percorre todo o vilarejo e volta pra casa, bate com a pata no portão avisando que já chegou. É realmente encantador!

Foi Fernando, irmão de Kedma, quem presenteou o menino Rafa com o cachorro e também quem ensinou Badi que não se deve fazer cocô nem xixi dentro de casa. Ele aprendeu. Parabéns para Badi Louis Bruce!

Domingo de sol, Rafinha pula da cama na maior animação e, antes de tomar café, pergunta para a mãe:

_ Mãe, a senhora deixa eu dar banho no Badi?

Kedma se sensibiliza com o carinho e a atenção que o filho dá ao animal:

_ Claro, Rafa! Mamãe vai te ajudar, vamos deixar o " senhor Badi Louis Bruce" limpo e cheiroso pra gente levar ele pra praia. Tá um sol lindo!

Quando a Kedma chega com a mangueira o cachorro foge com medo d' água.

_ Ops! Vai lá Rafa, pega esse fujão!

O garoto corre e segura Badi, que já estava no quintal, escondido atrás da jaqueira.

_ Ahan ! Pensou que ia escapar, não foi?

Após o banho delicioso, saíram mãe, filho e cachorro para curtirem uma caminhada na orla marítima. Durante o percurso, o " senhor Badi Louis Bruce" se enrabichou com uma poodle. Tinha fama de namorador lá na Vila Jurema.

_ Olha pra ele! Que safado! - Disse a dona de casa, puxando o cachorro.

- Pra dentro, Catita! - Bradou um idoso magro e calvo que varria a calçada do seu lindo casarão. Ao ouvir seu dono chamar, a cadelinha entrou em disparada. Badi ainda olhou triste e latiu, como estivesse chamando a " paquera". Kedma e Rafinha caíram na risada.

O dia na praia foi muito divertido. Kedma e Rafa corriam alegres na areia e o Badi no meio da folia. Que maravilha! Mãe e filho se abraçam tendo como lindo cenário o belíssimo pôr do sol.

_ Sabe, filho, quero que meu querido perdoe a mamãe por algumas vezes ter lhe maltratado. Seu pai era que me atazanava, chegava do trabalho com aquele jeito estúpido. Além do mais era mulherengo. Toda vez que o Rubinho saía com aquele caminhão algo me dizia que ele estava com alguma fulana em qualquer canto deste país. Ele mesmo me confirmou que tinha um caso com uma lá de Vila Velha, no Espírito Santo, lá na terra dele.

_ Nossa! Como foi que ele contou pra senhora? Ah, lembrei, meu pai trocou o seu nome... Falou " Ângela". Foi quando vocês estavam namorando e ele estava meio que embriagado.

Kedma ficou surpresa, queria saber como o filho havia descoberto. Rafa tinha onze anos, mas muito inteligente pra um menino da sua idade. Era impossível enganá-lo:

_ Meu Pai do Céu, menino, como você descobriu?

_ Ora mãe, eu estava brincando com o Juninho de videojogo e ouvi a conversa da senhora com a Keila. Foi até no mesmo dia quando meu pai feriu o Badi Louis com um chute.

_ Ouvindo conversa de adulto, menino? Isso é muito feio! - Repreendeu a mãe.

_ Ah, mãe! A Keila, nossa vizinha, é veterinária e eu só queria saber se vocês estavam falando do Badi. Eu fiquei preocupado com ele.

_ Sei...

_ Quando vi meu pai chutar o Badi me deu uma raiva! Por que a senhora me segurou? Eu ia socar o rosto dele!

_ É pecado filho bater em pai, jamais deixaria !

_ E o que ele fez com o Badi... não é pecado não? Deus que me perdoe, meu pai morreu e não sinto nenhuma falta dele. Do que ele morreu? --- Rafa, não é assim, meu anjo. Não devemos guardar mágoa no coração. Bem, seu pai era caminhoneiro E durante uma viagem para São Paulo ele tomou um comprimido, um tal de rebite para ficar acordado por muitas horas, o que é perigoso por afetar a saúde. Só sei que ele bateu com caminhão na rodovia, estava em alta velocidade e o acidente foi fatal. Bom, agora vamos parar de falar no passado... paisagem linda! -- kedman tenta, mas não consegue disfarçar as lágrimas.

_ Mamãe, a senhora é a melhor mãe do mundo!

_ Ô meu anjo, você que é meu tesouro! Agora vamos embora! Toma, coloca a coleira no Badi e... Caramba, peraí! Cadê o Badi? - A dona de casa olha para todos os lados, aflita.

Rafa teve a ideia de procurar pros lados das dunas e próximo de um quiosque, onde sempre há restos de comida dentro do cesto de lixo.

_ Badi! Badi Louis Bruce! - Gritou o menino, apavorado.

_ Badi, mamãe vai embora, hein? - Bradou Kedma, angustiada.

_ Mamãe, mamãe! Olha só que lindo!

_ O que é, filho?! Achou o safado? - Kedma chega na esquina do quiosque e eis que num beco, dentro de uma manilha abandonada, quem estava? O malandro Badi Louis Bruce com uma vira-lata que amamentava sete lindos filhotinhos.

_ Ai, que fofinhos! E agora filho, como vai ser pra levar esta família pra casa?

Resolveram pedir ajuda ao comerciante, dono do quiosque. O homem, muito bonachão, deu uma caixa de papelão, panos velhos e uma tigela.

_ Esse cachorro de vocês vem sempre pra cá e fica todo saliente pro lado da minha cadela Doca. - Relatou o comerciante, com um sorriso estampado no rosto. Não só por causa do namoro dos cães, mas sim também pela beleza estonteante da morena Kedma. Que mulher! Indescritível!...

Mas conteve o seu desejo, pois sabia que não podia se deixar levar pelo coração. Na vida temos que usar a razão! Não dá certo um homem sessentão com uma moça na flor da juventude.

_ Vocês tomam esse dinheiro que é para comprar ração. Por favor, não fiquem acanhados! Eu sei que animal dá trabalho.

_ Não precisa, moço! Valeu por tudo! - Disse Kedma, sorrindo.

Obrigado, moço! - Agradece Rafinha.

_ Por nada, filho! Hoje é tão difícil encontrar gente que se importa com bichos que eu até fico comovido! Dia desses fiquei muito revoltado ao ver uma triste cena: um grupinho de " playboys" apedrejando um morador de rua e o cachorro dele, aqui mesmo na praia da Bica.

_ Nossa! É mesmo revoltante! Nem tenho palavras!... Vamos filho, já está tarde e amanhã cedo você tem aula.

_ Onde vocês moram? - Pergunta o comerciante.

_ Na Vila Jurema. - Respondeu Kedma.

_ Pôxa, lá é barra pesada! E olha que conversa vai conversa vem... Já passam das dez! Vou tirar meu carro da garagem.

_ Não moço... Que isso! Não se incomode não moço! Eu e meu filho somos bem conhecidos lá, e eu sei que Deus guarda a gente.

_ Mas é preciso, em primeiro lugar, vigiar. Vou levar vocês. - Insiste o homem.

Kedma, definitivamente, viu que não tinha como recusar. Rafinha entra com o Badi e a Doca no banco traseiro. Kedma vai na frente, segurando a caixa com os filhotes.

No trajeto de pouco mais de dez minutos, o comerciante disse que se chama Erivan, que é viúvo há cinco anos e também revela que seu maior sonho é ser pai. Neste momento, seus olhos ficam marejados e ele diz que é estéril, e sempre imaginou brincando de futebol com o filho na areia da praia.

_ Seu Erivan, por mais difícil que pareça a situação nunca deixe de acreditar. Confie em Deus!

Depois Kedma relatou todo o seu passado de sofrimento, inclusive para criar o filho após a morte do marido. Disse também que em todo esse período ela só pedia forças a Deus, e Ele nunca a desamparou.

No banco traseiro,Badi se agita e começa meio que uivar baixinho.

_ Ih, mãe! O Badi parece que quer fazer necessidades.

_ Calminha aí " Seu Bruce"! Já estamos chegando, olha lá nossa casa. - Avisa Kedma.

_ Muito esperto esse " cara", hein! Só falta falar! - Diz, admirado, Erivan.

Onze da noite. A rua deserta, a Vila inteira dorme... Descansa para mais uma semana de labuta. Barulho mesmo só da farra dos gatos nos telhados e da coruja na copa das árvores.

_ Pronto, Badi. Tá liberado para fazer o número um ou o dois. - Diz, Rafinha, enquanto todos desciam do carro.

_ Graças a Deus chegamos bem! Seu Erivan, muito obrigado! A gente não queria incomodar. - Disse Kedma, abrindo o portão de casa.

_ Moça, deixe disso de " Seu Erivan". Não sou velho... Olha, só tenho " alguns" anos a mais que o Rafinha. Sou garotão! Kkkkk... - Brinca Erivan, em meio às gargalhadas e abraçando Rafinha.

Badi Louis Bruce, a Doca e os filhotes são os primeiros a entrar em casa. Começa o namorico do casal canino. Kedma convida Erivan para tomar um cafezinho. Lá fora cai uma chuvarada daquelas típicas de verão. Rafinha liga a televisão, e está passando o noticiário. O telejornal fala sobre animais vítimas de maus tratos, e mostra também pessoas que zelam muito bem de animais. Ao assistir a reportagem, Rafinha teve uma brilhante ideia: ter um grande sítio que pudesse abrigar o maior número possível de animais como cães, cavalos, coelhos, carneiros, galinhas... O menino queria tornar realidade o sonho do seu avô materno, de ter um local aconchegante e onde os bichos pudessem ficar bem à vontade, cuidados com carinho e conforto. O nome do paraíso? Chamaria sítio Boa Esperança. A esperança de que um dia o ser humano venha aprender e se tornar civilizado como os animais. Como diz a letra de uma antiga canção.

O menino lembrou que um colega de classe falou que o pai está vendendo um sítio em Rio D'Ouro. Rafinha conta para sua mãe sobre tudo o que tinha em mente, a ideia de ter um sítio, um local bem espaçoso.

A dona de casa fica radiante, mas em seguida vem a preocupação... Um sítio não é tão barato assim. Erivan, que estava de ouvidos atentos na conversa de mãe e filho, se dispõe a ajudar.

_ Kedma e Rafinha gostaria que vocês soubessem que têm um lugar especial no meu coração. Vocês são como os filhos que eu nunca tive. A união de vocês é lindo de ver!... A Kedma com esse olhar sofrido, mas não se deixando abater; você, Rafinha, o melhor amigo dos animais. Vocês são um presente de Deus na minha vida! Quero comunicar a vocês que terão esse sítio. Tenho um dinheiro guardado na poupança e eu comprarei pra vocês. Não admito recusa, hein!

Rafinha chora de alegria. Kedma não poderia acreditar que hoje em dia ainda houvessem pessoas assim tão humanas, carismáticas, desapegadas a bens materiais.

_ É, senhor Badi Louis Bruce e dona Doca... Em breve vocês terão um novo lar! Terão também novos amiguinhos. - Diz, Kedma, vibrando de felicidade.

Eis o retrato de uma família feliz: Erivan, Kedma, Rafael, Badi Louis Bruce, Doca, os filhotes e todos os animais do sítio Boa Esperança.

( Autor: Poeta Alexsandre Soares de Lima)

Poeta Alexsandre Soares
Enviado por Poeta Alexsandre Soares em 11/11/2020
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