O MENINO DAS MANHÃS (A N.Sra. Aparecida)
Pouco após transpor a pé o viaduto Raquel Marcondes, e tinha a cabeça tomada pelos pensamentos mais amargos, um menino mendigo pediu-me esmola, não dei, não tinha e olhando-o com ódio, pensei "mesmo tivesse não daria, estou farto desses mendigos profissionais que vivem muito melhor do que eu!". O coração encheu-se de fel e os pensamentos mais abomináveis me invadiram. No dia seguinte, frio, bem cedo saí para correr nas ruas e a subida da avenida São José cansou-me, parei, irritei-me por isso, aos trinta e oito anos considerava-me velho, como recuperaria a forma física? Ao passar pela praça Cônego Lima vi o menino dormindo encolhido junto à porta do antigo Cine Paratodos. Era mendigo sim, uns quinze anos de idade e defeito na perna. O coração tomou-se de remorsos e a mente inquietou-se com estes pensamentos: "O que fiz de mim? Por que me amesquinhei tanto? Como pude odiar alguém tão desgraçado, tão vulnerável? Meu Deus, como me envileci e por quê?!"
Foram tempos duros, aqueles. Nunca mais vi o menino e assim que voltei a ter emprego e recursos não mais me neguei a dar esmolas. Elas de fato não resolvem a vida deles, mas ao menos garantem-lhes o pão daquele dia, o qual, hipocritamente, suplicava ao rezar o Pai Nosso, pães que aliás nunca me faltaram...