Diário

Desde que o tempo é tempo, me fazem promessas nas calçadas de um amanhã bonito, não consigo gravar os nomes dos políticos, são todos tão iguais. Há dias que não tem comida, meu bebê já reclama com suas mãozinhas batendo na parede e o rosto cheio de lágrimas. Não sei mais o que fazer sozinho, Marcelo não voltou daquela maldita guerra, nem cartas dele recebo mais. As quatro paredes desse quarto são testemunhas da minha saudade que faz companhia para a fome.

Deve ter morrido. Certeza. Não tenho sorte alguma, nunca tive. Devo tê-lo contaminado com meu azar. Se acham que ser mãe solteira é ruim? Imagina você ser pai, sabendo que seu filho não receberá nada do outro pai porque o estado não acredita que homens podem se amar.

Pobre menino, ficou com o mais fraco dos pais... e por quanto tempo ainda me terá? Não sei, penso em fugir, penso em morrer; perde-se o tempo no passado quando a vida era bonita para mim. Provavelmente a última vez foi antes dos oito anos, antes de eu saber o que estava acontecendo.

Talvez o orfanato fosse o melhor para ele. Imagina, filho de um gay viúvo, o que ele não terá que ouvir. Não tenho dinheiro para o ônibus, imagina para o psicólogo... maldita vida que não terá do meu lado...

Desde que o tempo é tempo, eu tento me manter de pé, apesar de todos e de tudo. Coloco viseira nos olhos e sigo as rédeas feito uma mula. Nem a maior e robusta das árvores aguenta o furacão por muito tempo.

Pedro rasga a página do diário, olha para a folha por algum tempo. Acima do começo do texto vê que sobrou um espaço, provavelmente para o cabeçalho. Colocou a data e “querido bebê”. Assinou seu nome no final com um “desculpe”.