Não há mentiras
Também quis dizer que eu sentia um tremor no olho direito sempre que ia me acontecer algo ruim, mas fiquei calada. Talvez porque Marcus tivesse sido meu primeiro namorado; talvez por as telhas do casebre parecerem chorar com a chuva fina que caía naquele domingo dando a impressão de que havia um medo entre nós. Bem, naquela tarde a casinha que nos abrigava recebeu duas pessoas que, certamente, tinham crendices... e enredo.
Bem, eu não sabia exatamente o que dizer, em algumas ocasiões ficamos sem ação. Recentemente tenho me descoberto com um olhar perdido no vazio. Naquela tarde, meus pensamentos ficaram assim.
Marcus, com um perfume másculo embrulhado pelo ambiente fechado, observava-me. Decidi não falar por um tempo. Eram poderosas nossas lembranças da juventude. Existia uma coisa na boa aparência dele de cinquentão que eu percebia muito bem: um olhar sedutor tombando para o encantamento que me fascinou outrora.
Nossos amigos, na chácara onde estávamos hospedados, deviam estar preocupados conosco. Quanto mais eu via os fios de água caindo, mais eu me perguntava o que era aquela situação. Havíamos saído para encontrar algumas pessoas, que também estavam hospedadas no local e que pediram que mostrássemos onde ficava a entrada para uma gruta natural. Tudo porque, alguém havia comentado que Marcus e eu havíamos nascidos por aquela região. Mas o mundo é pequeno mesmo! Justo nós dois tivemos de sair da chácara e terminamos tendo de nos abrigar naquele casebre quando veio uma repentina chuva de verão...
A tarde no Cerrado é feita de calor e se chove no verão, em ocasiões raras, quando passa há um verde lodo nas plantas e um cheiro molhado que vem da terra. Nessas ocasiões, há vida por todos os lados. Pássaros cantam que cintila o som entre as folhas das árvores. Eu podia ver Marcus admirando, num silêncio manso, a vida que corria a nossa volta. Afinal, éramos frutos daquele lugar... Que levamos dentro de nós quando fomos em busca de bons estudos. O que mais poderíamos fazer que caminhar admirando tudo? Teria sentido dizermos que o tempo não voltava? A vida seguiu e não conseguimos encontrar um tempo para nós...
Combinamos de ir levar as pessoas até o local combinado e que depois iríamos encontrar nossos amigos para um lanche. À noite, jantaríamos também com os amigos. Pareceu-me, na ocasião, que estávamos realizando uma enumeração de atividades impessoais. Nem ele nem eu nos aproximamos mais durante nossa breve estadia na chácara. E na manhã seguinte todo mundo acordou cedo para retornar à vida de trabalho em Teresina.
Quando chove os telhados dos prédios parecem pequenos riachos e a água escorre pelas ruas revestindo o asfalto negro. Tempo em tempo em me recordo daquele domingo no interior. Viajo numa lembrança boa e fico com um riso de satisfação pela vida.
Acho que podemos dizer que os amores se vão, mas que ficam as boas emoções. Não há mentiras nisso... mesmo se acaba a paixão que nos sucumbiu.