279 - Um Terno para o Natal
Chegou de sandálias e era inverno. – Herdei a casa, disse à laia de justificação. Achei que me deixaria só a máquina da costura mas o notário leu no testamento que eu era a única dona dos bens. Na cidade era tudo alugado, da alfaiataria à habitação, mas ele vinha sempre que podia a este lugar e aqui tinha casa e amigos. Não, nem sequer o cuidei. Éramos parentes e aprendi com ele a costurar. Nem sei por que me passou o saber e os truques, por que me achava ousada e artista. Lia-lhe jornais e livros, admirava-lhe o talento para resolver casos bicudos como o alargar das calças aos gordos ou apertar outras respeitando as riscas. Fazia-lhe a comida e arrumava tudo antes de sair. Ensinou-me a fazer moldes e explicou que era melhor cortar antes num jornal aberto, ter em conta os lados, a direcção dos fios do tecido, colocar sempre mais uma mão-travessa nas medidas principais e, a partir da atenção que pusesse, a roupa sairia melhor ou pior e os moldes, está visto, também. Entusiasmava-me e ajudei no pude quando ele já não podia trabalhar. Vendi tudo para vir começar a vida aqui. Trouxe a máquina. Queria ganhar a vida como ele. Meteu a chave à porta e viu o espaço a precisar de ser limpo, arejado, mudado para ser mais funcional. Quando, ao fim de uns dias chegou a primeira cliente, trazia também um desafio. Queria um vestido novo com o pano do velho que lhe trazia. E ela inventou o que coube no pano, fez golas de outro tecido, forrou os botões. A mulher não cabia em si de contente e trouxe-lhe além do dinheiro uma galinha para que tivesse ovos. Quando já não tinha mãos a medir nem vida pessoal, ele veio para que lhe fizesse um fato para o Natal.