271 - O Conselheiro
Quando a porta estivesse aberta qualquer pessoa poderia entrar. A verdade é que só os curiosos avançavam para o ver, homem já velho, de longas barbas brancas, sobrancelha forte, rosto marcado, dedos angulosos que viam o pormenor das texturas onde pousassem leves como penas, fortes quanto bastasse para o que fosse preciso destruir. Vestia roupa comum como outro qualquer idoso da paróquia e, enquanto falava, fazia coisas que tanto poderiam ser pinturas como retratos caricaturados dentro de um espírito muito crítico. Ouvia e respondia sem levantar os olhos da bancada de trabalho. Se a conversa merecesse, erguia o rosto e apresentava, líquidos, uns olhos azuis onde se lia determinação. Quando ela empurrou a porta e a luz acendeu o cabelo curto do homem ela parou assustada com o seu atrevimento. De repente só queria fugir embora as pernas a retivessem ali. - Sente-se. Vem para conversar comigo? E ela, parada ainda na soleira, mostrava o recorte de uma figura meã, magra, igual a tantas outras. – Vim, foi tudo o que foi capaz de dizer. Ele voltou ao trabalho manual que o ocupava e ela, já sentada, mãos cruzadas sobre as coxas, sentiu que ele não falaria mais antes dela. Engoliu em seco, pigarreou e disse: - eu sei que o senhor não é bruxo nem faz milagres mas acontece que estou para mudar de vida e tenho medo de dar o passo seguinte. Estou com o homem errado há muito tempo e, quando já não esperava, apareceu aquele que o meu coração acha perfeito. Voltou a calar-se. Após uma pausa longa, olhando intensamente para ela disse : - a senhora sabe que já deixou o seu marido e sabe, também, que já se decidiu pela mudança de vida. Se conseguir avançar agora merece ser feliz, se lhe faltar coragem fará infelizes três pessoas. A mulher disse que ele tinha razão, desejou bom dia e saiu.