268 - Memórias
Voltou lá. Volta-se sempre aos lugares onde vivemos o mais forte de nossas vidas. A memória trouxe-lhe os caminhos, os cheiros, o calor intenso, o gritar do cio das cigarras como um tinitus permanente. O céu antigo, as estrelas opulentas, a lua e, a seguir, a casa com muro sem portão e sem jardim. Quem chegasse avançava e quem não conhecesse batia palmas e gritava como é uso entre nós. Jantou arroz de frango. Nem sopa, vinho ou refrigerantes e como sobremesa apareceram, pequenas, algumas tangerinas. Café recém coado veio para quem quis e o Pai tomou um gole de aguardente. Depois, desfez-se a reunião e cada um se dispersou como quis. Com a casa em silêncio e a vida parada como uma tela de Hopper, viu da noite a luz da varanda acesa e mil insectos desesperados para a tocar ou fugir dela. Já na cama e de corpo amolecido sentiu que alguém abria a porta do quarto, se despia, se metia sob a colcha, se abraçava a ela. Arrepiou-se. Depois, sentiu forte o odor do corpo misturado com água de colónia. Com pequeníssimas variantes o sexo aconteceu rápido, ele levantou-se, vestiu-se e saiu. Quando acordou, havia bulha na cozinha e o seu naco de chouriço assado e o ovo estrelado já esfriavam na mesa com toalha de xadrez azul. Em data imprecisa, sentiu que tudo em si mudara, que havia uma sensibilidade acrescida a cheiros e uma náusea intensa fez com que uma vez perdesse os sentidos. Não queria nem esperava acabar a sua juventude assim mas aconteceu. Ele mudou de terra e ela, ostracizada, criou aquele filho sozinha. Como poderia esquecer se o rapaz é a sua cópia fiel?