267 - Depois da Festa
Os cabelos sebosos, a pele gordurosa, as unhas com o esmalte a cair, a cintura larga, os pés inchados. A louça acumulada de ontem e o lixo a começar a cheirar mal. Ele, sossegado, lia na sala de estar o jornal desportivo. Era esta a vida de Natália, uma mulher bonita que casou por amor e se via, depois da alegria da escolha do vestido, do ramo, da grinalda e da festa, caída numa realidade que lhe dava um marido egoísta e alheado. Queria a roupa impecável, a comida perfeita, a digestão tranquila e nunca perguntou como é que as coisas apareciam prontas. – Estás com um aspecto desleixado, mulher! E ela baixou os olhos e não respondeu. Saiu para chorar na varanda a sua solidão profunda, a sua incapacidade para mudar o que já não tinha remédio. Casou sem ver o lado menos bom de uma vida a dois. Nunca se imaginou a cozinhar, a lavar roupa delicada à mão, a limpar os fatos dele, tarefas que assumiu na esperança de melhores dias. Muito poupado, o marido recusava todos os gastos que entendia supérfluos e acabaram-se as idas ao cabeleireiro, as compras de roupa nova, o teatro ou cinema. Quando, por fim, rebentaram as águas e o filho lhe nasceu, Natália começou a ser outra pessoa. De repente ganhava força, determinação, vontade e a certeza de que chegara para ela um novo mundo. Resistir é ainda um modo de lutar. – Desculpa mas não tenho saúde para limpar as tuas calças. Veste as cinzentas e manda essas à tinturaria. Vê se arranjas outras gravatas mais modernas e leva o lixo ao contentor. Amanhã tenho de levar o menino à consulta e, logo à tarde, vou arranjar o cabelo. Deixa-me dinheiro para as despesas. Profundamente admirado, ele arregalou os olhos e nenhuma palavra achou para a contradizer.