265 - Amor Líquido
Parafraseando Zygmunt Bauman, o génio polaco, diria que o seu era um amor líquido. Por isso tomava o modo de todos os que passaram na sua vida e seguiram. Gastou a juventude sem conseguir definir o Príncipe e, todos os que vieram poderiam ser o filho do Rei, o herdeiro de um qualquer trono. Com o tempo aprendeu a aproveitar todo o afecto que lhe dessem e retribuía ao jeito de quem parava para descansar, namorar ou viver com ela o que pudesse. Olhava para si agora e sorria. No caminho, até ao excesso de peso, até às rugas, gastara-se a trabalhar como podia. Fora uma excelente aluna mas desistiu quando a Mãe a olhou como solução económica para a família. Nunca mais parou e ao que pôde respondeu com determinação e zelo. Nunca casou, nunca sequer lhe falaram nisso e filhos nunca chegaram ao seu ventre estéril. Antes assim, pensou afastando a ideia de que estaria sozinha para enfrentar o que viesse. Quando bateram à porta, olhou para o relógio e soube que era tarde, noite fechada. Ainda assim, tirou o avental, compôs o cabelo e abriu. À sua frente estava um homem alentado e de olhar vivo que não reconheceu até lhe ouvir a voz raspada. – Sabes, Martinha, assim que fiquei viúvo me lembrei que poderíamos juntar as nossas dores e seguir juntos até onde Ele quisesse. Posso ficar aqui ou levar-te para o Alentejo, decides tu. Martinha das Neves, cinquentona, riu de vontade, olhou o todo simples da sua casa alugada e decidiu: – Vou contigo.