A Máquina do Amor

Era algo monumental, era a primeira vez que o povo de Cipó Quebrado via um troço grande como aquela invenção de Josevaldo.

— Eita troço esquisito da gota serena!

— Esquisito o quê, macho?

— Esse troço aí faz o que mesmo?

— Faz amar!

— E como é isso?

— Basta botar alguém aí que tu gosta, mas que não gosta de tu. Eu multiplico a tua idade pela idade da pessoa que tu gosta e pronto! Giro pro lado esquerdo até alcançar a frequência certa e um raio que sai daí do biquinho da máquina acerta o coração da infeliz e faz nascer o amor por ti!

— É nada, macho, deixe de brincadeira comigo!

— Pois tô falando, filho de Deus, traga agorinha mesmo alguém que tu gosta que eu te provo!

— Oxente! Pior é que eu não gosto de ninguém! Já sei! E mãinha? Será que pode ser mãinha?

— Pode não.

— Oxê, e por que não?

— Porque tua mãe gosta de tu, aí não dá certo. Deixe de ser besta.

— Gosta nada, tem dia que eu acho que mãinha quer me ver é pelas costas!

— Também pudera né, Geraldo, um homem velho desse morando com a mãe. Não tem aposentadoria que chegue, sua mãe deve estar cansada é de te sustentar!

— Avê Maria, Josevaldo. Pegou pesado!

— Tá, tá, agora dê licença que o prefeito está vindo aí!

A Máquina do Amor, a invenção mais tecnológica e poética que o povo de Cipó Quebrado já havia visto, era uma invenção de Josevaldo. Um sertanejo esquisito pra diabo, quase sem amigos, que causava desconforto por onde passava. Era um homem magrelo de cabelo bagunçado e costeletas grandes. Se vestia feito um cangaçeiro desnutrido, usava uma sandália surrada e parecia sempre estar encharcado de suor. Todo povo que via o esforço de Josevaldo em construir aquele amontoado de metais e fios aparentemente desconexos, não se aguentava de curiosidade pra saber o que aquela enorme máquina de aspecto pitoresco realmente fazia. Quando Josevaldo anunciou que sua grande invenção estava pronta, todo o povo se reuniu na praça da pequena cidade, Josevaldo emprestou um carro da prefeitura para levar sua grande máquina até o coreto da praça da cidade, para apresentar sua nova invenção.

Bem abaixo do coreto um gritou:

— Diga aí, homem de Deus, o que esse bicho de metal faz?

— Faz amar!

Quando ouviram a resposta de Josevaldo o povo quase todo gargalhou.

— E como pode ser isso? Isso é uma máquina ou uma mulher gostosa?

Rebateu outro, aparentemente embriagado.

O prefeito da cidade que vestia um terno cafona com ombreiras ao lado da primeira dama também absurdamente cafona num vestido pequeno para os seus quase 110 quilos, aproximou-se orgulhoso de Josevaldo e o cumprimentou com gosto!

— Que satisfação apertar a mão do maior inventor que Cipó Quebrado já viu.

Disse o Prefeito, sem ter a mínima ideia do que a invenção de Josevaldo era capaz.

Olhando para o povo abaixo do coreto, Josevaldo foi tomado pela emoção e iniciou o seu discurso sobre o que acabara de inventar:

— Conterrâneos, queridos! Passei quase uma vida tentando desvendar o amor. Hoje, no alto dos meus 55 anos, com o peito repleto de orgulho e satisfação, apresento-lhes: A Máquina do Amor!

Josevaldo abriu espaço para que a máquina ficasse em evidência, depois continuou.

— Primeiro, precisei entender o que era o amor e a conclusão que cheguei depois de muita reflexão era de que eu não tinha conhecimento empírico sobre o amor, sendo assim, seria impossível compreendê-lo. Até que aos meus 20 anos de idade, dois anos depois de ter decidido fazer a Máquina do Amor, conheci Rosinha. A moça mais doce que o sertão nordestino já viu. Mas Rosinha, assim como a maioria de vocês, me achava um tanto esquisito.

Seus olhos se encheram de lágrimas.

— Ainda assim, sonhava com o dia de tomá-la em meus braços, fiz verso, fiz canção, fiz promessa, fiz macumba, mas só colhi desilusão. Foi então que entendi que o amor era um estado incondicional de querer bem outra pessoa, sem pedir nada em troca.

O povo, em silêncio e ouvindo as palavras de Josevaldo, foi tomado pela emoção.

— Até que vi Rosinha atravessar distraída a Avenida do Ribeira, num vestido florido que a deixava mais linda do que chuva no sertão. Ela me viu, parou para acenar para mim, mas estava no meio da rua. Eu gritei, implorei, mas não deu tempo. Um caminhão colorido, cheinho de frutas, acertou em cheio a minha doce Rosinha.

Fez uma pausa sofrida e continuou.

— Corri para casa, agarrei minha máquina inacabada, arrastei com todo o esforço que a minha condição humana podia, e parei a máquina em frente ao corpo sem vida de Rosinha. Fiz os cálculos e apliquei a fórmula que achava que era do amor, pensei: “o amor salva!”

— O raio amoroso atingiu Rosinha, mas só lhe causou espasmos musculares. Eu não consegui salvar a mulher que amava. Fracassei.

Depois de um choro copioso, Josevaldo retomou a força para continuar.

— Das cinzas daquela tragédia, dediquei meus últimos 35 anos de vida nessa máquina que agora sim pode ser chamada de A Máquina do Amor.

— Vamos! Preciso de um voluntário. Quem se habilita?

A Primeira Dama deu um cutucão no prefeito.

— Vá homem, deixe de ser frouxo!

— Mas meu amor… - tentou em vão rebater.

— Meu amor, porra nenhuma, faz é tempo que eu sinto que você não me ama! Seis meses, Lineu, tem seis meses que você não me procura. Eu já estou a ponto de explodir. - segurou a mão do marido e levantou. - Aqui, Seu Josevaldo. Meu Marido vai.

— Eita, cabra macho. Esse é o nosso prefeito!

O povo todo aplaudiu, o prefeito sem graça viu que já não era possível voltar atrás.

— Bora lá, se ajeite ali. - apontou Josevaldo para onde deveria ficar o prefeito.

— Se acalme, viu. O senhor vai sentir um leve tranco no peito, mas não carece de preocupação não, é só o amor reverberando na caixa do peito!

O prefeito suava frio. Era de um nervosismo aflitivo.

Depois dos cálculos, Josevaldo acionou a máquina e um raio forte atingiu o peito do prefeito Lineu com tanta violência que o jogou para a borda do pequeno coreto. As pressas um de seus seguranças, Ariobaldo, correu para ajudá-lo enquanto se ouvia os gritos de pânico da primeira dama.

Ao agarrar o prefeito no chão, os dois se olharam com paixão e amor, Ariobaldo encostou sua barba rala no rosto liso do prefeito cafona e respirou aliviado por ele estar bem. Com os olhos marejados, o prefeito retribuiu dizendo:

— Eu te amo, Ariobaldo! Eu te amo!

Enquanto todos estavam incrédulos, Josevaldo corria em círculos gritando:

— Funcionou! Funcionou!

Pedro De La Rosa
Enviado por Pedro De La Rosa em 22/08/2020
Reeditado em 22/01/2024
Código do texto: T7043263
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2020. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.