251 - Cacilda
Cresceu sem regras e viu-se adulta sem saber assinar. A mãe continuou a vender nas Feiras e o pai há muito que se perdera no mundo sem que voltassem a ouvir dele novas ou mandados. Cuidou ela dos irmãos menores e ficaram para segundo plano, no tempo devido, passeios, namoricos, romarias. Quando ele apareceu ela morava de favor num cubículo com sacada para a rua. Ali estendia a roupa e colocava o cacto ao sol nos dias em que estaria disponível para ele. A contar das oito da noite ele saberia a hora certa somando o número de peças que estivesse no varal. Subia pela escada sem acender a luz e ela esperava-o à entrada. Poupavam-se a mexericos e poderiam ter momentos de deleite na companhia um do outro. A seguir, ensinava-lhe as letras e, entre um e outro beijo, falavam da vida que ainda não tinham possibilidade de viver. Sem estar a contar com o desfecho, o teste deu positivo e era essa a novidade que tinha para lhe dar. Estava apavorada por não saber que reacção teria o homem, como encararia ele a nova urgência para mudar de vida. Deixou-o respirar e esperou que as batidas do seu coração abrandassem. Depois, pegando-lhe nas mãos grossas de calos, disse-lhe com a melhor voz que arranjou: - Vais ser pai. E ele riu. Era um rir nervoso, impotente, desesperado. A seguir, sem sequer lhe dar a aula, saiu.