QUANDO O AMOR NÃO BASTA

Estavam namorando há dois anos e meio quando decidiam morar juntos; Jaine e André, cujo encanto, nasceu num primeiro olhar e tornou-se um sentimento intenso, um amor para toda a vida. “Enfim, nós!”, foi o que disseram, ao mesmo tempo, no dia em que fizeram a mudança para a casa que alugaram.

Jaine e André eram, aos olhos de todos os amigos, um casal perfeito! Demonstrações públicas de afeto, cumplicidade nos olhares insinuantes, uma vida social agitada, intensa, presentes em jantares, festas, bailes. Em qualquer evento, eles se faziam presentes. E fotos e mais fotos no Facebook, acompanhadas de declarações de amor emocionantes.

Ela, possuía uma veia poética e escrevia mensagens apaixonadas e enviava pelo celular, a qualquer momento do dia; ele, declarava seu amor pessoalmente “Quero você pra sempre, minha princesa!”, “Te amo pra toda a vida.” E esses rompantes amorosos eram a sustentação de seu relacionamento.

Apesar da incompatibilidade de ideias, Jaine e André acreditavam que se completavam, haviam “nascido um para o outro”. Divergiam quanto ao gosto musical. Ele ouvia sertanejo; ela, pop rock e música internacional dos anos 80. Ele, era radical em suas opiniões; ela, ponderada, flexível, conciliadora. Mas, havia muita coisa em comum também; tinham a mesma paixão pela natureza; gostavam de observar a lua, ouvir o canto dos pássaros, fazer caminhadas ao ar livre. Gostavam do mesmo estilo de filmes (ação, romance, aventura), os quais assistiam agarradinhos, embaixo do edredom. E compartilhavam o gosto por um jantar especial, regado a um bom vinho chileno ou argentino. Toleravam suas diferenças sem atrito.

A primeira semana de “casados” passou em clima de lua de mel. Recordavam os passeios e viagens que fizeram juntos; a semana de férias que passaram na praia, a viagem de aventura, sem rumo, só para conhecer novos lugares, os pratos de culinária típica das regiões por que passaram que provaram e não gostaram, o acampamento à beira do rio Iguaçu, as pescarias que só serviram para tomar banho de rio e se enlamear porque o maior peixe sempre escapava do anzol. O sonho de compartilhar a vida e dividir bons momentos se realizava, enfim.

Mas, havia segredos não compartilhados, mágoas impregnadas, havia um mundo obscuro que Jaine desconhecia e que atormentava André. E, um mês após a união tão esperada, a promessa de uma vida juntos, perceberam que algo os distanciava. Não era falta de amor, era falta de cumplicidade, pois, mesmo estando sob o mesmo teto, priorizavam suas individualidades, que se tornaram tão fortes e insustentáveis, que o amor já não era suficiente.

Ela, reclamava de suas atitudes individualistas; ele, do autoritarismo dela. Ele, do excesso de liberdade dela; ela, das atitudes intolerantes dele. Discutiam por tudo e por nada. Já não comungavam os mesmos ideais. A convivência permanente os minara, a rotina da vida a dois fora insuportável para ambos.

O amor ainda estava lá, mas, encoberto pelas desavenças e sufocado pela prepotência de cada um. Nenhum dos dois cederia, tinham suas “razões” que, nesse momento tornavam-se mais fortes.

Jaine frustrava-se por ver seu projeto de “amor eterno” transformar-se em decepções e, na verdade, nem entendia como tudo havia começado. André não suportava ver a mulher se desmanchando em lágrimas, sem ter argumentos para conversarem os problemas que enfrentavam. Recolheu-se a seus pensamentos confusos e decidiu sair de casa. Jaine, remoía-se em sentimentos contraditórios; André fechava-se em seu orgulho, o que o cegava. Simplesmente, fechou a porta e saiu, sem ao menos discutir o assunto com Jaine.algumas roupas que ele iria busca-las à noite.

No dia seguinte, André ligou para Jaine e pediu-lhe que arrumasse algumas roupas que ele iria, à noite, buscá-las. Mas, não apareceu. E Jaine começou a ficar angustiada e refletia “O que estaria acontecendo com André para ter se transformado em tão pouco tempo? Estavam tão felizes que ficaram cegos para as adversidades de um e de outro? Por que não percebera essas características, que considerava negativas em André? Estavam obscurecidas por seu amor incondicional?” Não podia crer que ele deixara de amá-la, que vivera uma ilusão. “Não. Definitivamente, não.” Entraria em contato com André e tentaria esclarecer as coisas.

André só veio buscar as roupas e os objetos de higiene pessoal dois dias depois e nem dera chance para Jaine iniciar uma conversa. Ele não tinha tempo, tinha que ir trabalhar. Assim, só restou a Jaine enfurnar-se no trabalho para evitar de pensar na decepção que tivera com seu grande amor.

André, veio na noite seguinte, tarde da noite, alcoolizado. Quando Jaine abriu a porta, ele a encostou na parede da cozinha, abraçou-a fortemente e, aos soluços, pediu-lhe perdão. A consciência de seu ato o trouxera de volta. Mas, e o encanto que Jaine sentia por ele? Ela não conseguia lhe ser indiferente, tampouco perdoá-lo sem uma explicação lógica.

Sentaram-se no sofá. Ele deitou a cabeça no colo dela e ambos começaram a chorar. Abraçaram-se, no entanto, algo havia se quebrado, havia uma barreira invisível que não permitia que eles recomeçassem. Jaine desvencilhou-se do abraço, foi ao banheiro lavar o rosto, tentou acalmar-se.

Ao voltar ao sofá, André já havia dormido. Ela cobriu-o com um edredom, apagou as luzes e foi para a cama, mas, o sono não vinha, não conseguia raciocinar. O que fazer agora?

Cochilou um pouco e, ao acordar, duas horas antes do horário de costume, chamou André para conversar.

Jaine expôs-lhe seus sentimentos mais íntimos, os traumas vividos em seu primeiro casamento, declarou seu amor por André e disse que não abriria mão de sua autonomia para viver sob os caprichos de um homem que descobrira, não mais reconhecia.

Ele, simplesmente, disse-lhe “Não viverei sob suas regras.” Ao que Jaine respondeu “Jamais lhe pedi isso, mas quero um companheiro confiável e presente em minha vida. E quer saber mesmo o que sinto por você?” Mostrou-lhe, então, um texto que compusera, na madrugada, em seu momento de mais angústia, ao pensar na possibilidade de perdê-lo. André leu-o “Não posso perder a mim mesma, perdemos a chance de sermos felizes. Mesmo te amando loucamente, sinto que nossas diferenças falam mais alto que o nosso amor e não vou repetir os erros do passado para estar ao lado de quem tem a si como prioridade. Meu amor por você é pra sempre, mas não perderei meus valores para estar ao seu lado”. Decepcionado, André disse “se é assim que você quer...” e saiu.

Naquele dia, Jaine foi para o trabalho como um autômato. Desempenhou suas funções mecanicamente, perdendo todo o prazer na profissão que escolhera; era professora. Sabia de cor a lição a ensinar a seus alunos, mas não sabia que lição tirar de seu relacionamento com André. Estava sendo difícil pensar na vida sem ele.

À tarde, foi procurá-lo, no trabalho. Os olhos dele encheram-se de água ao vê-la e Jaine, por trás dos óculos de sol, ocultava as lágrimas que teimavam em rolar. Combinaram de se encontrarem à noite, uma vez que a emoção do momento arrefecera e precisavam conversar. Ainda havia sofrimento, mas a lucidez estava voltando e era o momento de terem um diálogo franco.

Jaine o esperava desde as 18h. Ele ligou dizendo que só poderia ir vê-la depois das 23h. Ela decidiu que seria agora ou nunca. Não havia mais como fugir. Esperaria. Arrumou-se, vestiu-se, sedutoramente, na esperança da reconciliação.

André chegou no horário combinado. Abraçaram-se, sentaram lado a lado no sofá, para a conversa definitiva. Mesmo percebendo que André mostrava-se retraído, Jaine decidiu abrir a guarda, engolir o orgulho e levantar a bandeira branca. Declarou seu amor por ele e ele correspondeu. Conseguiram, enfim, ter um diálogo aberto, sem mágoas e sem dores e reavivaram o mesmo sentimento de pouco mais de um mês, de antes da “fatídica união”. Perdoaram-se. Amavam-se perdidamente. Entenderam que seu relacionamento não se dissolveria como “poeira ao vento”.

Fizeram amor com uma fúria, um êxtase, uma entrega total, nunca antes experimentados. Completavam-se novamente. Mas, decidiram que ficariam morando separados, pois o que haviam vivido desde o início de seu relacionamento, era um sentimento muito forte, era amor verdadeiro, que a rotina do casamento sufocou.

O mesmo amor que os unira intensamente, que os levava a loucura, que despertava a inveja por onde passavam, que provocava desatinos, também os separou, porque não fora o suficiente para aceitarem-se como seres imperfeitos. Buscavam o impossível!

Publicado no livro "Fragmentos"(2016)

Cleusa Piovesan

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Cleusa Piovesan
Enviado por Cleusa Piovesan em 13/08/2020
Código do texto: T7033983
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