NAS ASAS DO PENSAMENTO
O pensamento é um cavalo veloz, com pés que atingem a velocidade da luz e asas invisíveis, capazes de realizar, até mesmo, o sonho de Ícaro. Esse cavalo galopa pela alma, revelando segredos e desejos inconfessáveis.
Lua clara, noite quente de verão, céu incandescente de estrelas, como se fosse um manto a acalentar meus sonhos. Depois de observar o céu pela janela, não consegui deitar e dormir. O coração bateu mais forte, como se estivesse fazendo um pacto com a noite; um pacto de silêncio e revelações.
Olhando para o céu, hipnotizada pelas fagulhas cintilantes sobre minha cabeça, deitei-me na calçada. Senti-me como se estivesse brincando de roda, fui ficando tonta, aquela tontura que deixa o corpo leve. Não é uma sensação ruim, é como flutuar em cima de uma nuvem de algodão. Fechei os olhos. A sensação se intensificou me proporcionando um leve torpor. O vazio. Nada para me preocupar, sofrer ou chorar. Só senti o corpo levitar.
De repente, abri os olhos. As estrelas pareciam ter chegado mais perto. Ergui minhas mãos, espalmei bem e fiquei observando através dos vãos dos dedos. Impossível contá-las. Nunca consegui sequer identificá-las no céu, As únicas que já consegui localizar são o Cruzeiro do Sul, as Três Marias e a Estrela D’Alva, que nem é estrela, é o planeta Vênus. E as outras todas, o que serão? Cometas, meteoros...sei lá!
Quando eu era criança li um gibi do Piteco uma história em que o personagem dizia que as estrelas são fogueiras que os anjos fazem para se aquecer no inverno. Por muito tempo acreditei nisso, até o dia em que a criança em mim cresceu e perguntou: Se é para os anjos se aquecerem no inverno, por que nós as vemos mais no verão?
Lembrei-me agora que a resposta veio, justamente numa noite de verão, noite morna, que num instante se transformou em chama ardente, Foi um encontro inesperado, casual. Um olhar cativante e o fogo da paixão acendeu, o desejo queimando tanto quanto o brilho das estrelas. Não havia tempo para pensar. O afã daquele momento nos envolveu e fizemos do chão nossa cama e do céu nosso cobertor. Duas bocas sedentas se buscaram, se consumiam em beijos quentes, um gosto doce, sedutor. Nossos corpos ondulando à luz do luar, num jogo de sombras misteriosas e envolventes, buscando saciar os desejos do corpo e da alma.
Abri os olhos, o peso do corpo dele sobre o meu, arfando num vai-vem sincronizado, suspiros, gemido, gritos. Lá no céu, o mais belo manto, cintilante como ouro, a ofuscar meus olhos e a testemunhar a magia daquele momento.
Fomos invadidos por um calor intenso e enfim, o ápice do prazer. Deitamo-nos lado a lado. O silêncio da noite invadiu nossos pensamentos, pois as palavras não expressariam nossas emoções naquele momento.
A noite, misteriosa e encantadora, e os grilos, com sua sinfonia perfeita, selaram esse encontro, que foi o único. Intenso e fugaz, efêmero e eterno, pois durou o suficiente para ser inesquecível.
Então descobri porque vemos mais as estrelas no verão. Para que seu brilho ilumine os corações solitários, não deixando morrer a esperança de encontrar um amor verdadeiro, ou, pelo menos, de viver momentos de intensa felicidade, ao lado de um desconhecido, enquanto o tão sonhado “amor perfeito” não chega.
Assim, veloz como um corcel, meu coração galopa; como um tornado minha mente se agita e sinto-me sufocar na fumaça de meus sentimentos obscuros. Quando fico perdida na solidão, parece que vou me afogar no mar bravio, numa noite de tempestade. Então, fecho os olhos e penso nas estrelas, tão distantes, mas tão impregnadas em mim, mantendo acesa a chama da minha vida. Monto esse cavalo selvagem, que é o pensamento e deixo ele me conduzir além da imaginação ou nos caminhos da memória.
Não quero uma vida plana, sem obstáculos. Seria um marasmo. Não quero amar seguindo por um caminho sem a paisagem para apreciar. Quero vales, montanhas, planícies. Até mesmo um penhasco tem seus encantos! Soube, naquele momento que as estrelas foram feitas para que os corações enamorados não se percam!
Conto publicado no livro Fragmentos (2016)
Cleusa Piovesan
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