ESTRANHA OBSESSÃO
Não a esquecera. Ela fora a pessoa a quem dedicara seu amor, incompreendido por tantas outras. Mas ela, ela o aceitara.
David e Juliane tiveram um relacionamento conturbado. Seis meses. Constantes brigas e reconciliações romanescas. E, entre quatro paredes tudo se resolvia. Amor, paixão ou uma louca obsessão? Até que ela disse: FIM!
Ele não suportou, entregou-se à bebida, “para esquecê-la”. A foto dela transformara-se em um ídolo sobre o altar; o criado-mudo. Erguia o copo e a saudava todas as noites.
Então, começou a importuná-la pelo telefone; não sabia o que havia feito para magoá-la tanto a ponto de desprezá-lo. “Me diga o que eu te fiz?” Era a frase recorrente em todas as ligações. Juliane nem se dava ao trabalho de responder, simplesmente, não atendia as ligações. Já aguentara demais. David era uma pessoa ciumenta, possessiva, desiquilibrada emocionalmente e, embriagava-se com frequência. Cada vez que tinham uma discussão, por qual motivo fosse, ele, no dia seguinte, ele dizia que não se lembrava de nada. Absolutamente, nada. Motivo suficiente!
A memória sempre o enganara, concordava, mas compreender como o amor dela havia terminado era impossível. Era certo que quando não suportava os problemas a mente lhe proporcionava uma fuga, o esquecimento. Também era certo que nunca amara alguém assim, com tanta loucura.
Altas horas da madrugada. David desesperava-se e ligava para Juliane. Ela, há tempo que não o atendia, cansada de responder à mesma pergunta.
Passado um ano, após o término do namoro, David a vira com outro. Não, não suportaria saber que outro desfrutaria dos beijos, dos carinhos, do corpo que já fora seu.
As ligações tornaram-se mais insistentes, sem obter qualquer resposta, principalmente, quando ele se lembrava das noites de amor que tiveram: o vinho, as taças vazias, as roupas espalhadas pelo chão, seus corpos nus, em delírio. E, agora, Juliane deveria estar repetindo esse ritual com o outro. Isso o transtornava e a bebida o consolava.
Começou a vigiar a casa dela, na esperança de vê-la. Ela, tão linda; o tempo lhe era favorável. Ela estava cada dia mais linda! Tão linda, e de outro!
Decidiu que a esperaria, na madrugada, pularia o muro e a esperaria. Ela saíra cedo. Com certeza, um encontro com o outro. Mas, voltaria. Desde que a vigiava, ela sempre voltara. Sozinha. Conhecia-lhe os hábitos.
E assim o fez.
Juliane entrou com o carro na garagem e, ao sair, foi surpreendida por David, que a agarrou fortemente, colocou a mão em sua boca, impedindo-a de gritar. Ele estava com uma faca, espetando-lhe a cintura. Obrigou-a a abrir a porta.
Os olhos de David estavam turvados pela bebida, seu hálito era quente e azedo e Juliane alarmou-se, mas nada poderia fazer. Havia a faca na mão dele e sua força de homem, que ela tão bem conhecia.
David pediu que ela vestisse a “langerie” de que ele gostava e lhes servisse duas taças de vinho. “Beba comigo, meu amor. Pelos nossos momentos mais felizes!” Juliane obedeceu. Mas, de repente, viu nos olhos de David um brilho estranho.
Ele a deitou no chão, sufocando-lhe a boca com um beijo violento e imobilizando-a com seu corpo. Juliane debatia-se, mas não conseguia libertar-se. Até que sentiu a dor no pescoço e o sangue subindo-lhe à garganta. David a matara!
Enquanto ela gorgolejava, ele pegou uma das taças e encheu-a com o sangue dela, sorvendo-o e olhando-a, com os olhos enevoados, tão inebriados que um êxtase lhe tirava o senso. Fez amor com ela, já morta. Finalmente, ela era sua. Só sua!
(Conto publicado no livro Fragmentos, de 2016)
Cleusa Piovesan
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