Sem Expectativas

Me levantei aquela manhã sem nenhuma pretensão ou expectativa. Há muito, havia aprendido que expectativas cegam e só causam decepções. Melhor é viver um dia de cada vez sem esperar nada de ninguém ou de mim mesma.

Me olhei no espelho rapidamente antes de sair, "é só uma consulta médica", pensei a fim de justificar a falta de maquiagem e uma roupa melhor.

Estava frio, o céu cinza, tão nublado que havia uma camada densa de nuvens e parecia noite apesar de ser apenas 4 da tarde.

Eu estava tão adiantada que decidi parar para tomar um café.

- Helena? - Uma voz chamou

"Não é comigo" Pensei. É como aquelas pessoas que acenam pra você na rua, você acena de volta por educação e descobre que havia alguém atrás de você, a pessoa certa, a pessoa dona do aceno.

- Helena? - Chamou novamente e dessa vez, tocando em meu ombro. Me virei assustada.

- Mi...Miguel? Nossa, como está? - Disse com a voz trêmula, corpo gelado, um arrepio percorria todo o meu corpo.

- UAU, faz quanto tempo? Uns nove, dez anos?

- Acho que sim, não sei ao certo. - Respondi envergonhada.

Dez anos, dois meses, cinco dias e ele não havia envelhecido um único dia. Estava exatamente como nas minhas lembranças.

Eu sonhava com aquele momento frequentemente. No começo, quando ainda esperava por algo na minha vida, me arrumava toda antes de sair de casa, ensaiava uma conversa despretensiosa na frente do espelho, imaginando exatamente aquele momento mas hoje, quando finalmente aconteceu, eu só era eu mesma e eu não gostava disso.

Eu e Miguel havíamos vivido um romance no passado, nunca fora oficial. Algo tão especial, simples e perfeito que só acontecia entre nós. Acontece que na vida, precisamos fazer escolhas e eu escolhi errado, pra variar.

Me casei com quem parecia ser a pessoa perfeita. Lembro até hoje quando "terminei" com Miguel. Expliquei que tinha outros planos, não estava mais disposta a viver aventuras. Ele deu de ombros, me desejou boa sorte.

A pessoa que parecia perfeita, se tornou outra quando começamos a viver debaixo do mesmo teto. Eu não o conhecia mais. Acho que isso acontece com a maioria das pessoas quando convivem muito com outras e se cansam de esconder suas verdadeiras personalidades. Você nota traços de caráter duvidoso e no começo, acha normal, tenta se adaptar, até deixar de ser você e perceber que tem aceitado coisas que jurou jamais aceitar.

Bem, não é que eu me arrependo, afinal eu não tinha como saber mas é inevitável parar e se perguntar como teria sido se tivesse feito uma escolha diferente.

Miguel me contava com brilho nos olhos sobre como estava bem, por onde andou, os lugares pra onde viajou, as pessoas que conheceu e eu sorria desajeitada, não tinha nada de que me orgulhasse pra lhe contar.

A certo ponto a conversa ficou profunda e eu contei a ele sobre o meu vazio.

Contei entre lágrimas sobre o meu divórcio, sobre como as coisas pararam de caminhar por um tempo e eu estava totalmente estagnada numa situação infeliz.

- Um dia você acorda sozinha e negligenciada e para de acreditar em tudo, inclusive em amor. E percebe que já tem um tempo que não experimenta isso. Sinto que todos a minha volta foram embora, não sobrou ninguém pra me ver tão miserável nem tampouco segurar a minha mão e me ajudar a levantar. Acho que a vida é mesmo esse abismo existencial sem fim, não é? - Respirei fundo recuperando o fôlego após o desabafo involuntário.

- Eventualmente todos acabamos sozinhos. Foi bom te reencontrar, Helena. Desejo-lhe sorte. - Miguel se levantou da mesa e foi embora sem nem mesmo terminar seu café.

Meu celular despertou me trazendo de volta a realidade e me lembrando que já estava quase na hora da minha consulta.

"Sem expectativas" repeti diversas vezes na minha cabeça. Quando não se espera nada, não há porque se decepcionar.