Agora um conto (27.11.2016)
Apaixonada por um músico! Ela não sabia o que fazer. Se ele fosse pelo menos da sua escola, até que poderia ser suportável, mas ele só estava ali para o Work Shop daquela semana.
Porém, ainda, ela não sabia se ele poderia, em alguma hipótese, sequer olhar para ela: uma menina sem graça de contenção nos dentes e óculos na cara. Já ele, ah, ele era lindo... Não na concepção das outras garotas, mas lindo de um jeito único que não tentava imitar nenhum galã de cinema ou um astro do rock; era discreto, com seus cabelos crespos bem cortados e sorriso de dentes brancos, igualmente belos.
O dia dela de se apresentar no Work Shop era dali 3 dias, quando faltariam apenas 2 para ele ir embora e ela, talvez, nunca mais o visse de novo.
Ela escolheu a música La Pietà do Marcelo Oliveira e, quando chegou a hora de subir no palco, notou que os outros membros da banda dele nem lhe deram muito crédito... Somente um par de olhos intensos e penetrantes lhe davam atenção de verdade (o que, aliás, era tudo o que ela queria, mas não queria - tudo ao mesmo tempo).
Cantou a música quase toda de olhos fechados, abrindo-os em momentos específicos para checar se não estavam rindo dela e, para sua surpresa, o pessoal da banda e os alunos que ainda iam se apresentar estavam com os olhos vidrados nela e os lábios meio separados. Alguns até levaram uma das mãos à boca, mas a surpresa de todos ali era exatamente a mesma (tanto dela quanto da plateia).
Quando a música acabou, ela curvou-se para a frente em agradecimento e teve que tomar cuidado para não correr do palco. Passou por Ana, sua amiga que estava tocando teclado para as apresentações, agradeceu também e desapareceu dali.
Quando já estava indo para casa, ouviu alguém chamar seu nome:
- Maria! - Virou-se e era ele... Vindo, realmente, em sua direção. Quase ficou sem fala, mas sabia que aquela não era hora de dar vexame e, então, cumprimentou-o de volta.
- Oi, José. Ér... O que foi?
- Nada... Só queria dizer que você me emocionou com sua apresentação... Nem me lembro da última vez que alguém conseguiu essa proeza.
Sem perceber, os dois estavam andando em direção à casa dela e conversando como se fossem amigos há muito tempo.
- Você tem algo diferente das outras meninas, sabia? - Comentou ele durante o caminho.
- O quê? Os óculos, o aparelho, as roupas...
- Não, é outra coisa. Mas isso que você falou te deixa até mais bonita que as outras, sabia?
Ela corou e ficou agradecida quando percebeu o portão de sua casa logo à frente.
- Te vejo amanhã? - Ele perguntou.
- Todos os dias, se você quiser.
- Vou me lembrar de cobrar isso.
Paulia Barreto