Era um finalzinho de inverno e um frio brando enchia a casa com uma sensação de paz e calmaria. Laura olhava através da janela com aquele olhar sem brilho e a alma deveras resignada. Aquela sensação de tranquilidade há muito tempo se perdera dentro dela.
     Enquanto observava o vai e vem de alguns transeuntes, de raros casais, viajava em pensamentos recorrentes e questionava se algum dia teria realmente sido feliz naquele casamento. Fazia mais de um ano que sua vida conjugal havia se transformado em um verdadeiro caos. Nem conseguia mais pensar nos momentos felizes que passaram. Na verdade, sequer tinha certeza de que tais momentos existiram.
     O sol despedia-se no horizonte, e a noite já despontava para aquela mulher quase estática em frente à janela. Como quem desperta de um transe, Laura se deu conta do poente e apressou-se para fazer o jantar. Logo depois tomou seu banho e foi para o quarto, como de costume. Nem conseguiu comer antes de dormir.
     Naquela noite, Luís Carlos demorou bem mais para chegar. Enquanto Laura desejava cair nos braços do sono, ele vagava imerso em pensamentos torturantes, buscando compreender o que estava acontecendo com seu casamento e em como chegaram ao ponto de se afastarem daquela forma. Atualmente já viviam como estranhos, como desconhecidos dividindo o mesmo teto, a mesma cama. Era realmente o ocaso anunciado.
     Há muito tempo Luís Carlos e Laura não falavam mais de amor, de sonhos, de futuro, nem sequer trocavam mais caricias ou beijos. O máximo que conseguiam arrancar um do outro eram raras noites de prazer, o que na maioria das vezes era apenas uma fria conjugação carnal.
     A relação foi definhando aos poucos.  Luís Carlos sempre muito ocupado, trabalhando o dia inteiro, enquanto Laura mergulhava em horas e horas de dilacerante solidão. Isso foi causando o distanciamento entre os dois. Quando perceberam, a situação já estava irreversível.
     Finalmente Luís Carlos chega em casa. Joga suas coisas no sofá e adentra ao quarto. Laura deitada, fixa nele aquele olhar frio e sem brilho:
          – Por que demorou tanto hoje?
     – Estava caminhando, buscando compreender o que aconteceu conosco. Já não vejo mais em você a mulher com quem me casei. Você tinha brilho no olhar, um abraço quente, carinhos e afagos que me faziam esquecer todos os problemas do meu dia e me dava prazer, cuidava de mim. O que aconteceu, Laura? O que aconteceu? Não consigo mais viver desse jeito. Não dá mais para continuar fingindo que está tudo bem. Não dá mais!
     Laura ouvia atentamente cada palavra com seu âmago fragilizado e seu coração gélido. Não derramou uma lágrima sequer; não sentia nada. Era completamente indiferente a todo cenário ao seu redor. Ela levantou, olhou bem no fundo dos olhos de Luís Carlos e com voz seca falou:
     - Talvez se você olhasse para trás com sinceridade perceberia porque sua mulher não é mais aquela. Quantos dias e noites eu passei sozinha nesta casa, esperando você chegar desse trabalho que consumia todos os nossos dias. Quantas vezes te esperei ardendo de desejo e você de reunião em reunião e quando chegava eu já havia adormecido.  Quantas vezes não me permitiu acompanhá-lo aos jantares alegando que eles eram para tratar de negócios. Nem sequer me deixava trabalhar. Você me afastou, não reclame. Você me transformou nessa mulher fria, sem vida, sem sentimento, sem amor. Quer saber, cada dia eu me convenço mais de que o amor só dura enquanto é conveniente. Depois acaba. Concordo com você, não dá mais. Ao amanhecer eu vou embora desta casa. Vou para o apartamento que temos do outro lado da cidade e você fica livre para recomeçar um novo conto de fadas.
Laura saiu correndo e se trancou no quarto ao lado onde adormeceu.      Quando acordou viu que Luís Carlos já havia saído para o trabalho. Então pegou todas as suas coisas e mudou-se para o que agora seria seu novo lar como havia dito na noite anterior. Ela saiu daquela casa com a convicção de que jamais tentaria amar de novo. Jamais perderia tempo novamente com relações fadadas ao fracasso. Viveria sozinha; não precisava de ninguém.
     Quando Luís Carlos chegou em casa, deparou-se com um vazio colossal. Não podia acreditar que Laura realmente tivesse ido embora. No mais profundo de suas entranhas ainda acreditava que pudessem tentar uma vez mais. Ele sentou no sofá e algumas lágrimas rolaram em sua face. Talvez aquele fosse seu jeito de amar. Talvez! Naquele momento, teve a convicção de que ninguém poderia tomar o lugar de Laura e que merecia viver sozinho, sem amor, sem ninguém. Não seria capaz de amar de novo.


AGRADEÇO DE CORAÇÃO AO MEU AMIGO NETO KOF PELA REVISÃO DO TEXTO!!
Josy Matos
Enviado por Josy Matos em 27/06/2020
Reeditado em 27/06/2020
Código do texto: T6988968
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