209 - Tudo
Chora! Ajuda-me a convencer o teu pai! E ela, sem vontade e sem lágrimas, fez o primeiro papel consciente da sua vida. Rapidamente aprendeu que era importante parecer outra sendo a mesma só por dentro. Isso haveria de lhe dar a força que não tinha e legar-lhe a sensação de poder manobrar quem quisesse. - Finge que me bates, pedia, antes de encenar os gritos e as dores, a contracção dos músculos, a colocação do choro, a postura corporal e, mais tarde, até as lágrimas. Desencadeava ela o teatro e vinha toda gente acudir, tomar partido, encrespar-se para a atacar ou defender. A seguir, adolescente ainda, tomou aulas de teatro, aprendeu caracterização, os truques que lhe faltavam para vestir a pele das personagens. A sua passou a ser uma vida falsa por todo o seu tempo ser gasto a fingir que lhe doía, que ria e se alegrava, que cumpria. Vestiu a pele de criadas e amas, de rainhas, de mulheres de virtude e das outras das da vida fácil para quem está de fora. Ganhou prémios de representação, tornou-se notável. Tudo lhe corria bem até ter de provar que o amava mesmo que fora do palco parecesse que ele lhe era indiferente. Daquela vez não representaria! Daquela vez haveria de ser ela, inteira, real, apaixonada. Fez tudo o que lhe pedia o instinto e o coração mas não resultou. Ele cuspiu e chamou-lhe falsa!