Os Enamorados — VI

Um apaixonado farias-britense, agora residente de Fortaleza, passeia pelas vielas de sua nova cidade. Passa pelas docerias, cumprimentando todas as moças até chegar na sua favorita, no bairro de Aldeota.

Pede logo seu café jateado, acompanhado pelo bolo da casa, combinações excêntricas para o que julga ser excêntrico, afinal, além de estar apaixonado pela capital cearense, estava apaixonado por uma moça da redondeza também. Visitara todos os cafés e docerias que pôde atrás da musa que inspirava seu peito a continuar inchando e minguando em busca de ar, seu coração a palpitando bombear seu sangue, sua mente a sonhar em busca daquela moça. O romance não seria algo simples, visto que sua origem era logo do interior do Cariri cearense, e a moça — que só havia visto uma vez! — uma garota completamente desconhecida por ele, fruto das idealizações da mente desse pobre apaixonado.

Depois de namorar sozinho, recolhido e em silêncio, retira-se da doceria e volta a passear pelas ruas, olhando os imensos prédios sendo construídos pela cidade, passa pelo Pajeú, julgando ser uma espécie de esgoto a céu aberto, ainda comum de onde vem, até chegar na Praça Portugal, sentando-se em um dos bancos para ler o jornal, buscando saber mais do município e, por consequência, saber onde mais poderá procurar sua paixão. Neste periódico toma por interesse um famoso "shopping mall", fundado há três dias e localizado na Avenida Santos Dumont. De imediato, vai "voando" até o mesmo, apenas para ver um outro espécime interessante, também não capaz de voar como ele, mas que se encontrava, tal qual, escravo do destino: um elefante.

Em frente ao novo prédio, estava o elefante que, aos gritos de homens, levava crianças para passear. O novo shopping brilhava, ostentando o nome do tal elefante! O jovem apaixonado pensara, ao ler o letreiro do mesmo, que seu amor poderia ser tão grande quanto o nome ali eternizado. Decidido, adentra o novo estabelecimento.

Ali via de tudo, principalmente um interessante supermercado. Se não achasse o amor de sua vida, certamente acharia o que comer à noite. Passeando pelas prateleiras, derruba uma lata de óleo que, por sorte, não estoura com a pressão. Logo que se vira, vê uma mão feminina segurar a lata e levá-la de volta ao seu lugar, e assim que leva a visão ao rosto, reconhece a pessoa que está à sua frente. Após uma troca de olhares, a moça ri e se despede, um tanto quanto incomodada pelo afronte que recebera. O faria-britense, desolado pelo nem tão inesperado encontro, permanece hirto à prateleira, até uma atendente perguntar-lhe se está bem. Envergonhado pelo vexame e fraqueza, retira-se do local, tornando à sua doceria uma segunda vez para recompôr-se.

Mas tem o efeito contrário! A moça estava lá também, no mesmo assento onde sentou-se para desfrutar dos seus doces cafeinados. Receoso, entra, pede um mero café comum e senta-se para degustá-lo, tão sem vida quanto a falta de açúcar que amarga sua boca, inevitavelmente fitando a garota, acreditando que deveria chamá-la para conversar. A moça sai em seguida, o olhando ao abrir a porta, ainda com a mesma face espantada d'antes. O rapaz, acabrunhado, paga seu café e retira-se, dessa vez indo à mesma Praça Portugal para assistir ao sol se pôr.

Ao chegar à praça, mais uma vez vê a moça que tanto ama. Ela o enxerga e então o questiona sobre o porquê de estar sendo perseguida por ele. O jovem, sem reação, se aproxima dela no seu último ar de trovador, recebendo um vívido tapa no rosto. Ao se afastar após do tapa, confessa seus sentimentos à garota, que assiste, incrédula e carrancuda, ao réu do amor confessar seu crime.

Finda a declaração, a fortalezense o questiona o porquê de não tê-la dito antes, em algum momento do dia, e o Cariri simplesmente diz que não houve coragem para tal feito, culpando-se por ter titubeado frente ao sentimento que poderia tê-los unido mais cedo. Os dois sentam-se na Praça, vendo o sol se pôr, conversando sobre o mal-entendido — a moça cogitou até mesmo alertar a Polícia do Exército, crente que o jovem poderia sequestrá-la para pedir dinheiro a uma das inúmeras organizações terroristas que atuavam no sertão, como os rumores locais diziam!

O rapaz, ao segurar a mão de sua tão desejada musa, lhe suplica, enfim, a consumação do relacionamento que tanto idealizara. A moça ainda estava perturbada pelo ocorrido, e lhe faz mais outras mil perguntas como forma de evadir a resposta, tentando entender o que o guri poderia ser capaz de fazer com ela. Todas elas respondidas, nega o pedido deste. O rapaz, melancólico, contém o desespero da rejeição, pedindo desculpas e retirando-se da Praça, já de noite, a vagar até seu bairro de residência.

Quando se dá por conta, está deitado sobre uma rede, e ao reconhecer completamente onde está, voa ao chão de barro de sua cidade natal. Se desespera novamente, até ser questionado por sua mãe se "acordou abraçado pelo diabo". Diz que sim, e ela vai preparar um chá de manjerona, enquanto o garoto se debruça sobre a janela, triste por mais um Dia dos Namorados sozinho. Sua mãe, ao entregar-lhe o chá, diz que o verdadeiro dia do amor é o Dia de São Valentim, deixando na alma e no coração de seu filho a esperança de que ainda, algum dia, se Deus, Nosso Senhor quiser, passará essa data com a pessoa que tanto ama, ainda sem saber quem.

**Originalmente marcado para ser postado no Doze de Junho, por virtude das circunstâncias está sendo postado na data corrente.**