Se essa rua fosse minha
“se essa rua, se essa rua fosse minha...
Eu mandava, eu mandava ladrilhar...
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes...
Para o meu, para o meu amor passar...”
O som do salto caro batendo nas pedras da rua e a canção infantil eram as únicas coisas que se podia ouvir, a chuva já havia parado há algum tempo e formado diversas poças d'água que cobriam as inúmeras pedrinhas cravadas no chão de pedra. quem olhasse de longe, iria pensar que era a pintura de um céu estrelado; embora, na realidade aquela rua agora só servisse como lembrança para sua tristeza. Deu mais um gole na bebida assim que parou em frente as paredes claras da enorme casa que se destacava em meio as demais daquele bairro isolado. Sentou-se nos degraus baixos da pequena varanda de madeira negra que constatava com a cerquinha branca, pouco se importava se sua roupa iria molhar, pouco se importava com coisa alguma agora.
“nessa rua, nessa rua tem um bosque...
Que se chama, que se chama solidão...”
Inevitavelmente seus olhos - vermelhos pelo choro - se ergueram para o imenso jardim que contornava a casa, flores e árvores de todos os tipos estavam naquele jardim, denunciando a paixão por plantas que seu amor tinha. Olhou para a esquerda, onde um aglomerado de árvores formavam um pequeno bosque, que dependendo de qual caminho seguisse, levaria a um lago no meio de um bosque de pinheiro; o som da bebida balançando dentro da garrafa enquanto andava formava um ritmo triste que causaria pena em qualquer um que visse seu estado.
“dentro dele, dentro dele mora um anjo...
Que roubou, que roubou meu coração...”
Passou suavemente seus dígitos pelo tronco de uma árvore, onde de forma desajeitada e totalmente adorável estavam duas iniciais, a sua e a do homem que jurou amar pela eternidade. A chuva voltou a molhar a terra, inevitavelmente molhando o corpo da moça que ainda admirava aquela marca. Lágrimas se juntaram as gotas da chuva que molhavam sua face, toda a alegria que deveria sentir ao olhar para aquela marca – que era apenas uma das muitas declarações de amor que fizeram – transformou-se em tristeza, pois sabia que momentos como aquele nunca mais iriam acontecer. Caminhou bosque a dentro, se perdendo em meio a escuridão, mal vai alguma coisa, porém ainda ouvia sua voz.
“se eu roubei, se roubei teu coração...
É porquê tu roubaste o meu também...”
Infantil ou não aquela canção era a preferida dele, sempre cantava quando estava cuidando das flores que tanto amava, ou quando estava de frente para a moça, que neste momento estava de frente para uma pequena lápide de pedra a beira do lago; o nome do seu primeiro e único amor estava gravado ali, ajoelhou-se em frente a pedra enquanto sentia as lágrimas se misturando a chuva. As lembranças do momento que recebeu aquela triste notícia invadiram sua mente.
– É tão difícil sem você... não tenho mais sua voz me acordando pela manhã, não tenho mais o prazer de te admirar cuidando das flores. Que sentido tem vir morar aqui sem você? Qual o sentido de viver sem você? – deixou a garrafa com a bebida de lado, para abraçar a lápide sem empecilhos – Eu não vejo sentido em nada se você não estiver comigo... a vida não tem sentido se eu não puder te admirar a cada nascer do sol. Meu amor... eu vim até seu local de descanso para dizer que não consigo cumprir seu último pedido e que não precisava ser você, não tinha que ser o seu coração! – apertou seu peito, sentindo o coração bater, mas não era o seu, era o dele – Você sempre fez tudo por mim e eu sempre fui grata por isso, mas se sacrificar assim... por que trocar sua vida pela minha?
Afastou-se da lápide de pedra e olhou para a fotografia de seu amor protegido por um vidro sujo de poeira. Admirou cada detalhe do rosto do seu garoto, o nariz fofo, os olhos pequenos e redondos, os lábios fartos e o sorriso que dominou seu coração. Chorou com o resto da força que tinha, a tempos que não comia adequadamente, e nos últimos dias jogava fora a comida que deixavam em seu quarto; de fato tentou com todas as suas forças cumprir o pedido que ele lhe tivera feito através de uma carta: “[...] Agora, viva por nós dois, meu eterno amor.” Mas a cada dia que se passava, se tornava mais difícil viver sem ele.
– Eu não vou aguentar muito tempo meu amor... eu sinto muito, mas não poderei cumprir o último pedido que me fez, e me sinto péssima por isso. Mas viver sem você é demais para mim... – seus braços começaram a perder as forças, assim como seus olhos começaram a pesar, sinal que o veneno misturado na bebida estava agindo – Esse é meu último pedido... – esticou sua mão, a passando pelo vidro sujo que protegia a foto – espero que um dia você possa me perdoar... meu príncipe.
A mão caiu sobre a terra molhada, não tinha mais forças em seu corpo e nos últimas batidas de seu coração, desejou poder vê-lo novamente algum dias.
----^^----♡
“se essa rua, se essa rua fosse minha...”
– Com licença! – gritou para atrair a atenção da menina um pouco menor do que si que andava pelos corredores da escola, e por sorte, conseguiu. – Nós já nós conhecemos? – sorrio envergonhado quando ela balançou a cabeça negando – desculpe, é que tive essa impressão... – ficou de costas para ir embora.
– Tudo bem... – falou baixo pela vergonha que estava sentido, e assim que ele virou para lhe olhar, sentiu o coração falhar algumas batidas quando os olhos pequenos e redondos do rapaz mais alto lhe fitaram – Eu também essa impressão...
Mais um sorriso foi dado pelo rapaz, sorriso esse que encantou a menina que sorrio envergonhada em retribuição.
As vezes, quando um amor é forte demais e se perde, ele ultrapassa as barreiras do tempo, apenas para se juntar de novo.
Pequeno Sol
Data: 07 de junho de 2020, domingo. Hora: 04:44 pm.