A armadilha tecnológica (trlogia)
1º Episódio: A armadilha
Alexandre Santos (*)
Depois de muita luta, ele subiu na vida. Trabalho, trabalho e mais trabalho foi a receita seguida por Pedro Henrique, que, depois de muitos anos como vendedor autônomo, abriu a própria empresa e, desde então, começou a ganhar muito dinheiro. Como novo rico, cercou-se de confortos e precauções. Na mansão de três níveis, além de piscina, churrasqueira e sauna, um circuito interno de TV, segurança armada, blindagem nos três carros e, por insistência de Raquel, a esposa insegura, uma parafernália tecnológica que incluía até um sistema GPS. Se não fosse o ciúme sufocante de Raquel, a vida de Pedro Henrique estaria ótima. Saúde, negócios, dinheiro e, para completar, o reencontro inesperado com Bárbara, a antiga namorada da qual se afastara quando fez a opção de manter o casamento. Não era o pensava Raquel, pois, sempre cheio de compromissos, Pedro Henrique se dedicava pouco a ela, tornando-lhe a vida, embora confortável e segura, um inferno insípido. Recolhida a monotonia do lar, Raquel passou a valorizar cada vez mais os raros momentos passados com o marido, desenvolvendo, sem perceber, um ciúme doentio. Em seu imaginário de fêmea ameaçada, Raquel concluiu que a razão da apatia do marido era uma tal Amanda, a secretária loira, de cabelos longos, voz meiga, rostinho bonito e corpo sarado. “Se pegar, eu mato”, ameaçava diariamente ao se despedir do marido na porta do carro blindado.
Se antes, sufocado pelo assédio da esposa e seduzido pelo vício de ganhar dinheiro, passava pouco tempo em casa, agora, com o reencontro com Bárbara, Pedro Henrique praticamente só via Raquel no café da manhã, quando recebia sua carga diária de ameaças. Passava o resto do dia, perdido em negócios sem fim e telefonemas sussurrados à antiga namorada, tentando convencê-la a lhe dar mais uma oportunidade. No começo, Bárbara jogou duro. Ainda humilhada pela forma como ocorrera a separação há alguns anos, Bárbara resistiu ao assédio, valorizando ao máximo a reaproximação que tanto desejava. Cinco dias e quinhentos telefonemas depois, Bárbara cedeu e aceitou conversar com Pedro Henrique pessoalmente. “Só conversar”, avisou. No fundo, tanto Bárbara, que conhecia a natureza do antigo namorado, como Pedro Henrique, que conhecida a natureza da antiga namorada, sabiam que aquele encontro significava a retomada da relação apaixonada que fora quebrada mais por falta de coragem dele do que por falta de amor dela.
Disposto a não perder a nova chance com Bárbara, Pedro Henrique resolveu caprichar. No começo da tarde, reservou uma mesa discreta no Costa do Sol, o mais refinado restaurante da Zona Sul, e, passando os detalhes necessários, pediu a Amanda que providenciasse a entrega de flores vermelhas a Bárbara. No início da noite, contrariando o costume dos últimos tempos, excitado como nunca, correu para casa e, evitando os beijos fora de hora de Raquel, cantarolou como nunca em meio a um longo banho. Meia hora mais tarde, todo perfumado, Pedro Henrique saiu para um ‘jantar de negócios’.
Com o testemunho de uma única mesa ocupada, Pedro Henrique viu quando Bárbara chegou ao restaurante e, comprovando seus sonhos, confirmou que o tempo não conseguira apagar o sorriso radiante, nem esmaecer a beleza peculiar que fazia dela uma mulher única. Naquele momento, para ele, fora a antiga namorada, nada mais existia sobre a face da Terra. De sua parte, atraída pelo brilho que faiscava do olhar de Pedro Henrique, Bárbara percebeu que nada mudara a mágica e a química que sempre houvera entre eles. O primeiro momento foi de energia pura. Enlouquecido pela presença da mulher que queria, Pedro Henrique não precisou mentir para falar da saudade que sentia dos “tempos mais felizes que já vivera na vida” e das dificuldades que seu casamento passava. Mesmo assim, Bárbara fez o jogo duro que as mulheres sabem fazer e, ainda que admitindo a paixão e o amor renovados, deixou claro que não aceitaria voltar à antiga posição de amante. Mas a barreira inexpugnável que dizia ser não resistiu muito tempo. Inebriada pelo magnetismo de Pedro Henrique, pelo vinho, pelo aroma das flores que recebera e pelas próprias vontades, Bárbara cedeu e, aos pouquinhos, surgiram carinhos e beijinhos que logo se transformaram em amassos apaixonados.
Estavam tão entretidos um com o outro que não viram quando, em meio a um grito de ódio, Raquel entrou no restaurante. “Filho da puta”, a esposa enlouquecida correu para o casal. O baile foi grande. Pouco se lixando para as pessoas que estavam na casa e um pouco surpresa por não ver a secretária Amanda, Raquel destilou toda a raiva na mulher que tentava roubar-lhe o marido. Bárbara, que não estava habituada àquele tipo de coisa, baixou os olhos e, sem qualquer reação, ouviu a tudo calada. Depois de um curto momento de letargia, após um “daqui a pouco eu volto” dirigido à antiga namorada, Pedro Henrique levantou-se e, se esquivando dos copos que lhe eram arremessados, conseguiu conter a esposa num abraço. “Vamos embora daqui, sua louca”, disse-lhe o marido em voz baixa, arrastando-a para o carro.
Completamente desvairada, Raquel não parou o espetáculo histérico até ser, praticamente, jogada no banco dianteiro do carro. Antes de voltar para casa, onde esperava ter uma conversa definitiva com a maluca com quem estava casado, Pedro Henrique ainda precisou acalmar o motorista que, meio sem jeito, insistia em cobrar a corrida do táxi da Raquel. Ao receber o dinheiro, o motorista olhou para Pedro Henrique e, com uma piscadela cúmplice, apontou para a caixinha presa sob a direção do carro: “Da próxima vez, amigo, desligue o GPS”. Só então, arrependido das cautelas tecnológicas que tomara em nome da segurança, Pedro Henrique descobriu como tinha sido achado pela esposa.
2º Episódio: A nova chance de Bárbara
Desde o fracasso dos relacionamentos que tivera após a loucura vivida com Pedro Henrique anos atrás, Bárbara recalcara os sentimentos e mergulhou fundo na profissão. Resignada a uma vida sem amores, ela se entregou ao trabalho e, no mundo sem pele e sem coração, onde inteligência, dinamismo, pragmatismo, feeling e obstinação fazem a diferença, Bárbara chegou ao topo. Em pouco tempo, com menos de 35 anos, a mulher sem pele e sem coração se tornou a principal executiva da corporação e, envolvida em negociações, viagens e reuniões, não percebia a monotonia insípida, inodora e incolor daquela “vida de merda”, como no passado dizia das amigas que viviam a vida sem amor.
Um dia, no entanto, a deusa da fortuna resolveu pregar uma peça e a fez esbarrar em Pedro Henrique. Foi um momento mágico. No bilionésimo de segundo que precisou para retomar a compostura e cumprimentar educadamente o ex-namorado como devem fazer ex-namoradas bem-educadas, Bárbara fez uma viagem ao passado e, sentindo o mundo repentinamente alegre e colorido, lembrou das aventuras fascinantes que viveram juntos. O encontro, embora rápido, recheado de futilidades e de informações que não a agradaram (Pedro Henrique disse que ainda continuava casado) foi longo o suficiente para que ambos percebessem que a chama não acabara. Despediram-se com uma troca de cartões e, para espanto deles próprios, com um aperto de mão, como se os tradicionais beijos na face pudessem descambar para coisa mais séria.
A súbita insegurança que experimentou mostrou à Bárbara que Pedro Henrique – o homem que saíra de sua vida porque não tivera coragem para romper um casamento fracassado e assumir um amor sincero e apaixonado – continuava a mexer seu coração. Voltou para o escritório mais leve, animada e feliz.
Ainda naquela tarde, recebeu dois telefonemas de Pedro Henrique: no primeiro falou da alegria do reencontro e no segundo, quinze minutos mais tarde, convidou-a para jantar. Aí, de feliz, Bárbara ficou exultante, mas, mesmo radiante de felicidade, resistiu e, lembrando a aliança que marcava o anelar direito do ex-namorado, recusou o convite com um NÃO que, na realidade, queria dizer SIM.
Daí em diante, com o humor repaginado pela retomada da vida, diariamente, Bárbara recebia várias ligações do antigo namorado. Em uns, ele desejava-lhe bom dia. Em outros, falava das noites insones que passava pensando nela. Em todos, o convite para um reencontro. Resistiu enquanto pode.
Quinze dias de dura peleja contra a própria vontade.
Escudada em verdades nunca mencionadas, disse NÃO’s que não queria dizer, torcendo sinceramente para que Pedro Henrique não recuasse em função da sua birra e suportasse a provação para demonstrar que realmente estava disposto a vê-la (e tê-la). Finalmente, no milionésimo telefonema, Bárbara disse SIM. Aceitaria um convite para jantar. “Só para conversar”, deixara bem claro. As forças da química e do magnetismo eram mais fortes do que as da razão e, Bárbara resolveu entregar a vida aos ventos do destino.
Ressabiado com os foras que recebera nos últimos dias, Pedro Henrique sugeriu que se encontrassem no começo daquela noite, no Costa do Sol, um luxuoso restaurante da Zona Sul. Não era exatamente o que Bárbara tinha em mente, pois, sabendo o tipo de conversa que teriam e antevendo o que provavelmente viria pela frente, teria preferido um boteco mais aconchegante. Mas, conhecendo como conhecia a natureza do ex-namorado, Bárbara sabia que Pedro Henrique escolhera aquele lugar tão formal para não assustá-la. “Ah!, se Pedro soubesse o quanto eu preciso ser assustada”, pensou divertida.
Naquele dia, alegando uma enxaqueca qualquer, Bárbara não voltou para o trabalho à tarde. Relutara bastante para voltar a viver, mas, agora, estando de volta à vida, estava determinada a nela permanecer e daria tudo de si para que, desta vez, o amor tivesse todas as chances para vencer. Lembrando o guarda-roupa executivo que usava, foi às compras. A Bárbara daquela noite não seria a dos tailleurs sóbrios e requintados. Usou o cartão à vontade. Sacolas e mais sacolas com roupas e sapatos de todos os tipos para todas as ocasiões. Dedicou atenção especial às lingeries e se muniu de calcinhas estreitas e ousadas. No salão de beleza, brilhando felicidade por todos os poros, pediu um corte novo, mais jovem, mais solto. Em casa, duas horas mais tarde, o longo banho. Queria estar linda e se preparou para o encontro como uma noiva antes do casamento. Diante das novas roupas, venceu o tormento da escolha optando por um vestidinho leve, quase juvenil, e uma roupa íntima ousada como nunca vestira. Para completar, a mesma lavanda dos tempos em que era feliz com o antigo namorado. Mirou-se no espelho e gostou do que viu. Estava pronta para o encontro que poderia mudar sua vida. Resolveu ir de táxi. Era uma forma de fazer Pedro Henrique trazê-la para casa ou levá-la a onde o destino mandasse. “De hoje ele não me escapa”, disse Bárbara para si mesma, sonhado com a felicidade.
Quando Bárbara chegou ao restaurante, Pedro Henrique já estava. A mesa era distante da entrada, num canto escondido, bem discreto. “Ótimo”, pensou ela, enquanto passava pela única mesa ocupada a passos lentos, como se ainda relutasse com o encontro. Estava pronta para um jogo de gato e rato no qual presa e predador intercambiam posições, valorizando derrotas que, no fundo, são as verdadeiras vitórias que desejam. No começo a conversa até esteve bem comportada. Com cuidado para não exagerar na dose, Bárbara renovou foras e reiterou a impossibilidade de voltarem enquanto ele estivesse casado. Desta vez a resistência durou pouco. Em alguns minutos, amansada pelos argumentos criados por Pedro Henrique, alguns dos quais ela mesma ajudara a articular, e pela única taça que tomara, Bárbara relaxou e cedeu o primeiro carinho. Daí em diante, o encanto fluiu célere e os dois antigos namorados voltaram a compor um casal. Nem o ataque simultâneo de mil cupidos explicaria a súbita retomada da velha paixão. Beijinhos quase inocentes se transformaram em amassos apaixonados e as palavras deixaram de ser importantes para celebrar a vitória do amor. Bárbara e Pedro Henrique estavam juntos novamente.
Estavam tão entretidos um com o outro que não perceberam a chegada da mulher escandalosa que, se desvencilhando do segurança aos berros e safanões, corria na direção deles, num grande espetáculo. Só, então, notaram a presença de Raquel, a esposa de Pedro Henrique. Como uma leoa ferida, ela estava incontrolável e, sob o testemunho espantado da família que ocupava uma mesa na entrada do salão, explodiu em palavrões, esculachando a mulher que estava abraçada a seu marido. Sem reação, com os olhos rasos d’água, vendo a vida voltar a desaparecer pelo ralo da humilhação, Bárbara baixou a cabeça e não disse uma única palavra. Ato contínuo, já refeito da surpresa, Pedro Henrique deu leve aperto no braço da namorada e, com um “me espere”, levantou-se. “Vamos embora daqui, sua louca”, sussurrou e praticamente arrastou Raquel, que não parava de gritar. “Me largue, seu filho-da-puta, que eu quero matar aquela quenga”, esbravejou a mulher, fulminando Bárbara com um último olhar antes de sair do restaurante. O constrangimento foi geral. Só depois de longos minutos nos quais imperou silêncio absoluto, funcionários e clientes procuraram dissimular o mal-estar geral, retomando conversas e serviços. Aquela normalidade hipócrita não escondeu que, com as dissimulações possíveis e necessárias à artificialidade característica daquele ambiente sofisticado, todos os presentes lançaram a vista sobre a bela mulher cabisbaixa que instantes atrás tinha protagonizado a baixaria.
Sentindo-se alvo de todos os olhares e comentários, traumatizada pelo escândalo, Bárbara permaneceu imóvel, fingindo não existir, como se isso pudesse fazê-la desaparecer. Se pudesse, desapareceria da Terra naquele instante. Num único segundo, sua vida dera mais uma reviravolta e, do céu em que imaginava estar, descera ao inferno. Só, traída, humilhada, objeto de chacotas e censuras, sentindo lágrimas escorrerem sulcos, Bárbara sentiu-se a última das mulheres, reconheceu culpas que não tinha e, arrependida por lutar pelo único amor que tivera na vida, prometeu-se que, por maior que fosse a tentação, jamais olharia para um homem casado. Depois de uma eternidade, quando se arriscou a levantar o rosto, viu o beliscão que calou o garoto sorridente que não parava de olhá-la. De solidariedade, só o velho garçom que, compreendendo seu desespero, se aproximou à guisa de repor água, e disse-lhe apenas: “não fique assim, minha filha, no final tudo vai dar certo”.
Muito tempo depois, reuniu coragem para enfrentar o mundo e voltar à ‘vida de merda’ da qual tinha saído quinze dias atrás. Pediu a conta e, sempre com os olhos baixos, abriu a bolsa para sacar a carteira. Percebeu a presença de um vulto que imaginou ser o garçom. “Você vai para onde meu amor?”, ouviu a voz de Pedro Henrique, que, entregando-lhe o mais vermelho dos buquês, tinha voltado para nunca mais sair.
3º Episódio: A caçada de Raquel
“De hoje ele não me escapa”, urrou Raquel, quando, finalmente, descobriu onde estava Pedro Henrique.
Desde que ficara rico, Pedro Henrique não era o mesmo. Parara até de procurar seu corpo e seus carinhos. De que adiantava viver numa mansão de três níveis, com piscina, churrasqueira e sauna, se precisava da vigilância de um circuito interno de TV, segurança armada, blindagem nos carros e não tinha Pedro Henrique? Em meio a suspiros, Raquel lembrava dos tempos nos quais, ainda pobres, faziam jogos de amor no pequeno apartamento mal mobiliado, brincando sobre almofadas largadas ao léu sobre o tapete de quarta categoria que cobria o piso da sala minúscula. Naquele tempo, simples vendedor autônomo, Pedro Henrique era mais ‘gente’, mais ‘família’. Mas, quis o destino e o comércio que ele enriquecesse e, agora, de negócio em negócio, de reunião em reunião, Pedro Henrique passava pouco tempo em casa e, pior, quase nenhum com ela. “Onde você esteve ontem, o dia todo?”, Raquel se queixava todos os dias no café-da-manhã – única refeição que faziam juntos. “Por que você não me localizou no GPS? Eu estava lá”, retrucava Pedro Henrique com um misto de ironia, raiva e, ainda, de orgulho do sistema de segurança que mandara instalar em todos os carros que possuía. A resposta sistemática deixava Raquel irada, pois, além de lembrar sobre sua incapacidade de lidar com a tecnologia moderna, mostrava que o marido se contentava em ser substituído por um pontinho verde na tela de um computador.
Para Raquel, criada em ambiente religioso que cultivava fervorosa crença na teologia da prosperidade, seu problema familiar não era coisa do dinheiro e, sim, de mulher. “Pedro Henrique tem outra mulher”, pensava Raquel, que desconfiava da secretária boazuda, uma tal Amanda, de carinha bonita, cabelos compridos, cintura fina e bunda empinada. Tomada por crescente ciúme, Raquel resolveu marcar Pedro Henrique sob pressão, ligando-lhe milhares de vezes. Mas, ele deixou de atender ao telefone. Com a modernização da empresa, as ligações feitas para o celular passaram a ser redirecionadas para a mesa de Amanda. E a resposta, depois de uma eternidade de espera, era sempre a mesma: “Dr. Pedro Henrique disse que, depois, liga para a senhora”. O sarcasmo da rival era evidente.
O sexto sentido falou mais alto e, cada vez mais humilhada, Raquel notou que seu drama era conhecido por todos. Olhares furtivos, conversas abafadas e sorrisos disfarçados denunciavam que todos, rigorosamente todos – amigos, vizinhos, parentes, empregados e, até mesmo, desconhecidos – sabiam do belo chifre que ela estava levando. A lembrança de Amanda, com seu rosto bonito, corpo escultural e trejeitos afetados, era demais para Raquel, que, um dia, resolveu desmascarar a traição.
Decidida a descobrir a vida secreta de Pedro Henrique, Raquel exercitou toda a paciência que uma mulher ferida pode se permitir e, sem afrouxar a vigilância que, naturalmente, mantinha sobre o marido, trocou o hábito de passear no shopping por aulas de computação. No começo, interessada apenas em não passar por idiota todas as manhãs, queria unicamente emergir do pântano que afoga os analfabetos digitais. Mas, depois, encantada com as possibilidades daquele novo mundo, em viagens surpreendentes pelas ondas da Internet, vislumbrou formas até então inimagináveis de acompanhar os passos do marido. Estudou a fundo o programa de Sistema de Posicionamento Global e, sem que o marido tivesse a mais remota desconfiança, passou a segui-lo por onde quer que o carro dele estivesse. O cruzamento dos sinais emitidos pela constelação de satélites e estações terrestres dizia a Raquel exatamente onde Pedro Henrique estava.
Belo dia, ainda no começo da noite, de seu posto de observação à frente do computador, Raquel percebeu uma mudança de hábito no marido. O sistema GPS informava que, contrariando a rotina dos últimos tempos, Pedro Henrique estava voltado para casa. Animada com a possibilidade de finalmente ter uma noite a sós com o marido, Raquel desligou o computador, arrumou o cabelo e correu para o quintal. Esperava receber o marido com um longo beijo e sonhou mil coisas. Mas, o sonho durou pouco. De fato, como o computador adiantara, não tardou e Pedro Henrique chegou em casa. Mas, não da forma com Raquel esperava. Evitou seu beijo e, se dizendo apressado para uma reunião, correu para o banheiro. Amargurando a decepção, Raquel ouviu como Pedro cantarolava enquanto tomava um longo banho. Meia hora mais tarde, todo perfumado e de roupa nova, Pedro Henrique saiu para mais um ‘jantar de negócios’ sem sequer beijá-la.
“É hoje”, pensou Raquel, já antevendo o confronto com Amanda (aquela quenga). Correu para o escritório e ligou a parafernália tecnológica visgando o olho no localizador GPS. A tela mostrava o carro de Pedro Henrique se deslocando para a zona sul, surpreendendo Raquel, que já descobrira que Amanda (aquela sirigaita) morava na zona norte. “Ela deve estar na casa de alguma amiga”, imaginou a mulher traída. Em trinta e cinco minutos, o carro de Pedro Henrique estacionou. O sistema dizia, com precisão, o local: Avenida Beira Mar, 6.690, Barra de Jangada, Jaboatão dos Guararapes. Com habilidade, Raquel consultou o site da companhia telefônica e, prontamente, verificou que aquele era o endereço do ‘Costa do Sol’, conhecido reduto de casais que não podiam circular livremente pela noite do Recife. “De hoje ele não me escapa”, urrou Raquel, levantando-se abruptamente.
A cólera era tanta que, ao chegar ao Costa do Sol, Raquel sequer lembrou de pagar ao taxista – um senhor de meia idade que, nos quarenta minutos da corrida, ouviu pacientemente sua história. Como um touro enlouquecido, Raquel invadiu o restaurante pouco se lixando para a recepcionista e, sem olhos para as outras pessoas que estavam no salão, correu aos berros para a mesa em que estava Pedro Henrique. Para sua surpresa, a mulher que fazia carinhos no rosto do marido não era Amanda. Isto, no entanto, era o que menos importava. Como uma leoa ferida, Raquel explodiu em palavrões, esculachando a mulher que abraçava seu homem. Gritou, gritou, gritou. Raquel só parou de gritar quando Pedro Henrique a pegou pelo braço e, com alguma violência, a arrastou para o estacionamento. “Me largue, seu filho-da-puta, que eu quero matar aquela quenga”, ainda gritou antes de ser praticamente jogada no carro do marido. Naquele momento, o mundo escureceu e Raquel desmaiou.
Acordou no meio da noite. Estava só. “Onde estará Pedro Henrique?”, pensou Raquel. Pulou da larga cama de casal e foi buscar resposta para sua pergunta na tela do computador.
(*) Alexandre Santos é presidente do Clube de Engenharia de Pernambuco, ex presidente da União Brasileira de Escritores (UBE) e coordenador nacional da Câmara Brasileira de Desenvolvimento Cultural