Martinez, o amor e a assepsia

Além dos relatos de morte, fome, perdas financeiras, agressões e desentendimentos no lar, bem como os inúmeros quadros de problemas psicológicos decorrentes, o cenário covidiano que se impõe legará muitas histórias: as grandes, as médias e as pequenas histórias.

É evidente que Martinez se encontrava cabisbaixo. Esse amor cotidiano golpeia e faz do homem ser que anda curvado ao invés de ereto e altivo.

Porque antes, na normalidade da dita vida normal, onde tudo era frenético e havia a sensação de que pior não poderia ficar, existia a possibilidade sempre presente de um flerte, de um lance, de uma transa.

Não havia a assepsia necessária por agora nos encontros, no amor. Se a imagem ou a voz encantasse, por que não? Seja na rua, no trabalho, no bar, nos aplicativos… em qualquer lugar: tudo aquilo estava sempre à espreita.

A “cabisbaixia” de Martinez se explicava por essas coisas portanto. Porque a possibilidade que se afigurava certa em concretização, pervertida agora foi em quarentena. E não! Não adianta ligar para ela, cogita-la, sondá-la… não faria sentido, porque etapas não foram cumpridas neste jogo de tecelagem que é o amor.

Explico.

Ela tinha uma graciosidade às vistas de Martinez: a graciosidade é subjetiva, questão de ângulo de visão, de estado de humor e de pontos objetivos de abertura que o outro apresenta: Ela era um outro vislumbrada de ângulo distinto por parte dele e repleta de pontos de aberturas que alimentavam em seu espírito as densas possibilidades de felicidade futura.

Foram apenas duas interações significativas antes da Covid com ela. Haveria a terceira, na qual um plano de ação começaria a ser colocado em prática na perspectiva de possíveis carinhos.

Contudo, Martinez se enclausurou assim como ela. Martinez a carrega no peito e no hálito que exala em conjunto com uma voz de sussurro que diz o nome dela. Ela? Talvez nem faça ideia da feição que Martinez tem por ela…

Não… Martinez é calejado o suficiente para sofrer de platonices… A pena que lhe dá, é a impossibilidade da concretização de algo que se mostrava absolutamente factível e que, muito provavelmente, por conta do vírus, talvez não se concretize mais após a normalidade.

E por quê? Porque talvez as coisas do amor, entre aqueles que não tem uma trilha mínima de intimidade pavimentada, não sejam mais as mesmas de antes. Porque talvez a assepsia refreie uma comoção sentida, uma admiração surgida e que se converteria no beijo e no deleite e no prazer e no gozo e no carinho e no amor.

A possibilidade do amor refreada Martinez! A torcida? É que a possível afeição dela a ti esteja além da assepsia…

São José, 04 de maio de 2020

Cleber Caetano Maranhão