Ligarei de volta

Liguei novamente à tarde, caiu na secretária eletrônica. Mas Delia tinha mudado a mensagem de saudação, pelo menos.

- Você ligou para o planeta Terra. Devido ao recente Dia dos Mortos, não há ninguém vivo no momento para atender a sua ligação. Mas deixe o seu nome, número, planeta e galáxia, pois há uma pequena chance de que alguém ligue de volta algum dia.

- Alô, Delia... não sei se está em casa. Liguei hoje de manhã, mas não deixei recado. Essa de Dia dos Mortos é interessante... o filme do George Romero, creio?

Silêncio.

- Eu imagino que você ainda esteja zangada comigo, mas isso não é razão para que não possamos conversar como pessoas adultas e civilizadas que somos. Tenho certeza de que posso explicar tudo, só preciso que me dê uma chance.

Silêncio.

- Olha, está bem, você venceu... eu vou te dar mais 24 h para esfriar a cabeça. Ligo amanhã à noite.

Na noite seguinte, liguei como havia prometido. Após três toques, caí novamente na mensagem gravada por Delia na secretária eletrônica, uma nova:

- Você ligou para o ano de 1967. Deixe seu nome, número, e o ano do qual está chamando, e ligarei de volta para o ano informado. Se o ano for 1987, por exemplo, você terá que aguardar 20 anos pela resposta. Ou, deixe seu telefone de 1967 e retorno a ligação.

Respirei fundo... 1967?

- Delia, sei que está aí... bom lembrar de 1967, achávamos que íamos mudar o mundo, lembra? Nada dessa loucura yuppie, de trabalho compulsivo...

Silêncio.

- Eu falhei com você, reconheço. Mas só preciso de uma chance, Delia, pra provar que mudei e que você é a pessoa mais importante da minha vida.

Silêncio.

- Lembra daquele café, lá no Village, que costumávamos frequentar? Vai reabrir essa semana, depois da reforma, vão fazer uma festa de reinauguração. Não gostaria de ir, bater papo e relembrar Altamont?

Aparentemente, eu tocara numa corda sensível. Ela atendeu, finalmente.

- Altamont foi em 1969 - corrigiu-me.

E depois, num tom mais amistoso:

- Se voltou a ser humano novamente, pode vir aqui em casa tomar um café.

- Você vai mudar a saudação da secretária eletrônica? - Questionei.

- O que gostaria de ouvir? - Replicou.

- "No momento, não estamos em casa" - recitei, esperançoso.

- Plural - ela analisou. - Eu vou pensar no seu caso...

E desligou.

- [17-05-2020]