| 2 | o começo do fim do mundo
eu nunca disse que iria ama- lá. e não amar ela seria a melhor coisa que eu faria, afinal, jamais fui digno de tê-la por perto para sempre. naquele dia ela contou cada pino de cocaína que achou no caminho até minha casa. e eu podia sentir que algo estava para acontecer.
- mano…eu to no lado errado dessa cidade
foi o que ela disse.
“deixa quieto, vou ficar aqui bebendo e conversando com meus amigos”
foi o que eu devia ter pensado no dia em que a conheci.
nem todos sabem como essa história começou. Mônica havia alugado o antigo apartamento da família triste da cidade. era perto da faculdade e era perto de seu trabalho, podia ser mais perfeito? eu fazia freela para uma agencia em Limeira na época, onde conheci João, o cara com quem eu mais assisti jogos do Palmeiras junto até hoje. era sexta feira e fui entregar umas coisas na agencia. conversava com o próprio João quando Mônica me mandou uma mensagem
“vc vem hj, né?”
era a festa de inauguração do ap dela. não só fui como levei João e mais alguns amigos e amigas. todas as pessoas possíveis estavam lá mas nem todas as histórias de do mundo foram contadas nessa noite, logo, não posso contar tudo o que aconteceu já que só digo do que sei ou vivi.
uma bebida ali e outra aqui, nós falávamos do golpe que estava por vir em nosso país quando eu olhei para a sacada. ela tava la, sozinha. meu otimismo e meu pessimismo entraram em conflito dentro de mim e o álcool venceu. nunca tinha visto alguém fumar um cigarro com tanta beleza. nem em filmes. eu sabia exatamente o que dizer e o fiz.
[ PARTE CENSURADA POR QUE EU QUIS ]
meio banal de minha parte, mas nem eram tantos pinos de cocaína assim, o pessoal já tinha sido mais ecologicamente incorreto antes. mas eu entendo, a vida fora do condomínio é um tanto quanto…real.
- mas só agora cê notou que ta no lado errado?
- acho que sim. ou sei lá, tava evitando concluir isso
- eu só não sei o que tem de errado aqui
- tudo, principalmente você
eu não me achava errado até ela dizer que eu era errado. graças a Alisson, o traficante, minha casa tinha se tornado o lugar mais frequentado do bairro. graças a ele e a mim, pois fui eu quem o abriguei e transformei tudo em uma brincadeira de Narcos. minha vida não prometia ser maior que minhas carreiras, e eu estava ciente daquilo e desejava continuar. eu era apenas pó. eu sou apenas pó, um sopro e lá eu vou, sem levar nada desse mundo comigo.
eu estava disposto a tornar aquilo cada vez mais intenso e coloquei minha amada no olho do furacão.
sim, minha amada.
ela virou as costas e foi embora. e enquanto se distanciava, eu podia sentir o amor me perfurar e me corroer por dentro. eu queria correr atrás mas não podia. ressaca moral. ressaca da vida. efeito colateral. quanto mais eu a trazia para perto, mais distante ela ficava. eu fiz do meu coração o lado errado da cidade para se estar.