A solidão amiga

A pergunta do namorado a pegou de surpresa:

- O que você vai fazer, enquanto estiver quarentenada?

- O que eu vou fazer? Trabalhar, claro. Com meu laptop e internet, posso trabalhar em qualquer lugar.

- Então, por que não fica lá em casa, nesse período?

A sugestão era interessante, aparentemente. O relacionamento começara há alguns meses, e ela às vezes passava os fins de semana com ele - e vice-versa, já que moravam sós. Mas nenhum dos dois havia cogitado em coabitar, até porque moravam em cidades diferentes e tinham suas próprias rotinas estabelecidas.

- Eu não sei... essa coisa não parece ter data para terminar - replicou, insegura.

- E justo por isso, não seria melhor ter alguém com quem compartilhar? - Insistiu ele.

Ela lembrou-se de que nos fins de semana que passara na casa dele, sempre havia som alto, às vezes de mais de uma fonte. Ele era do tipo que parecia gostar de barulho como companhia, fosse TV, rádio ou streaming. Já que não trabalhava nos fins de semana, isso não chegava a incomodar muito; mas começou a pensar como faria para se concentrar quando tivesse algum trabalho para fazer. Teria que usar fones de ouvido?

- Preciso me concentrar no meu trabalho - admitiu. - Ao menos, durante os dias de semana. Não sei se conseguiria manter a minha rotina trancada o dia inteiro com você em casa.

E com a TV ligada, ainda por cima, pensou. Mas ele interpretou a observação como um elogio.

- Entendo o que quer dizer... acha que vou ficar distraindo-a do seu trabalho.

Ela não negou nem confirmou.

- Mas não se preocupe - assegurou ele. - Eu também tenho trabalho à fazer!

Ela sabia que o tipo de atividade que ele exercia não iria tomar todas as horas de um dia normal de trabalho. E sequer talvez todos os dias, ainda mais durante uma pandemia, quando poucos ou nenhum negócios estavam sendo fechados.

- Vamos esperar mais um pouco - esquivou-se ela. - Ver quanto tempo essa coisa dura. Se eu começar a me sentir muito só, vou para sua casa passar uma temporada.

- Está bem - conformou-se ele.

Ela voltou para casa naquela noite e enquanto dirigia no caminho de volta, perguntou-se se fizera a coisa certa. Acabou concluindo que, se queria trabalhar sem interrupções, melhor que continuasse sozinha em casa.

No meio da semana seguinte, a estrada para a cidade vizinha foi fechada para o trânsito não essencial. Ela não tinha nenhuma justificativa legal para ir ver o namorado e telefonou para avisar que passariam um tempo sem se ver.

- Você deveria ter ficado aqui - redarguiu ele. - Parece que eu estava adivinhando que isso iria acontecer.

Ao desligar, sentiu-se aliviada. Ficaria sozinha sim, mas era melhor que descobrir, em meio à uma pandemia, que teria que dividir o mesmo espaço, 24 h, dia após dia, com alguém que talvez lhe exigisse uma atenção que ela não poderia dar.

Como dizia o ditado, antes só do que mal acompanhada.

- [26-04-2020]