Reminiscências

- Isso me fez lembrar uma vez em que o Jorge... - começou a dizer Dolores, antes de parar no meio da frase, fazendo uma careta. Olhou com cara de culpa para Pedro, que estava enxugando a louça, como se nada tivesse acontecido. - Desculpe.

- Desculpe pelo quê? - Indagou Pedro intrigado.

- Por ter falado do Jorge. Acho que você deve ficar chateado com isso - redarguiu ela de forma contrita.

Pedro fez um gesto negativo de cabeça.

- Você ia falar alguma coisa boa do Jorge, eu imagino. Então, não, isso não me chateia.

- Era só uma lembrança... uma coisa engraçada - ela continuava sem jeito.

- Você pode falar do Jorge sempre que tiver vontade, Dolores - assegurou Pedro, ajeitando a louça no escorredor de pratos. - Até porque, nem fala muito, para ser sincera.

- Não? - Ela pareceu surpresa.

- Às vezes, eu até gostaria de perguntar algumas coisas sobre o Jorge, que tipo de pessoa ele era, mas sempre fico com a impressão de que você não se sente à vontade com esse assunto - arguiu Pedro.

- Bem... eu não fico à vontade porque achei que você não gostaria que eu falasse dele - admitiu Dolores.

- Você amava o Jorge, não amava? Ele foi uma pessoa importante na sua vida, não foi? - Insistiu Pedro.

Dolores entrelaçou as mãos, e fez um gesto afirmativo.

- Sim. Amei muito o Jorge... e achei que nunca mais conseguiria amar alguém tanto assim. Até que conheci você.

Pedro sorriu.

- Mas não é exatamente o mesmo tipo de amor, suponho.

- Não, porque vocês são pessoas diferentes.

- Isso. Somos pessoas diferentes, e eu estou aqui, e ele não está mais, Dolores. Mas um pouco do que ele foi, sempre continuará a ser, aí, dentro de você. Você não precisa renunciar a isso, e se algo do que eu faço lhe traz alguma lembrança agradável, pode compartilhar comigo. Fico satisfeito em saber que eu e seu falecido marido temos algo de bom em comum.

Dolores abraçou Pedro, a cabeça contra o peito dele. E se ela se sentia feliz, em algum lugar Jorge também deveria estar, pensou.

- [23-04-2020]