Se for, não volte

O que havia começado como uma simples discussão sobre o que fazer para o jantar, havia se tornado algo muito mais sério. As coisas entre Jorge e Rita já não andavam bem há algum tempo, e qualquer pequena desavença acabava se transformando numa troca de recriminações. Como ambos não eram casados, e Jorge tinha a casa da mãe para onde voltar caso algo desse errado, naquela noite ele pegou as chaves do carro e fez menção de ir embora. Rita pôs as mãos na cintura e avisou:

- Se você for, volte apenas para buscar as suas coisas.

Jorge parou no meio da sala, chaves na mão.

- Você está terminando comigo? - Indagou incrédulo.

- Estou te informando que não tenho mais paciência para ficar discutindo com alguém que, quando percebe que ficou sem argumentos, vira as costas e vai para a casa da mãe! - Retrucou ela acidamente.

Jorge titubeou.

- A gente não estava discutindo, - tentou minimizar - só conversando. Você é que se estressa por qualquer coisa.

- Se era só uma conversa, então você se sente e termine o assunto.

Sentaram-se em poltronas da sala, frente a frente.

- Escuta, Jorge. A gente está junto faz quanto tempo? - Indagou Rita, aparentemente mais calma.

- Seis meses - ele replicou.

- E uma coisa que já deu para perceber, é que você sempre quer ganhar a questão, não importa que assunto seja. A sua opinião sempre parece ser melhor do que a minha, não é mesmo?

- Bom, mas eu deixo você falar... - protestou Jorge.

- Deixa, claro - assentiu ela. - O que não é o mesmo que levar em conta. No fim, eu acabo concordando com você para não me estressar. Isso não é um bom sinal, Jorge.

- O que você propõe? - Questionou, na defensiva.

- Que a gente termine, Jorge. De uma vez por todas.

Ele ergueu os sobrolhos.

- Você está me mandando embora?

- Você não estava indo para a casa da sua mãe, a pouco?

- Bom, eu estava indo esfriar a cabeça. Amanhã, depois de uma noite de sono, poderíamos ter essa conversa sem brigas.

Rita balançou negativamente a cabeça.

- Agora nós não estamos brigando, Jorge. Estamos conversando como dois adultos. E como mulher adulta que sou, eu estou lhe pedindo: economize seu tempo, vá embora hoje mesmo. Definitivamente. Junte suas coisas, e vá.

Ele ficou encarando-a com os maxilares cerrados. Finalmente, fez um gesto de concordância.

- Está bem. Se é isso o que quer.

- É isso sim - acedeu ela.

Ele foi para o quarto e começou a jogar suas roupas numa bolsa de viagem. Quando voltou à sala, ela continuava sentada no mesmo lugar.

- O que você não vai levar hoje, eu vou colocar em caixas e mando entregar na casa da sua mãe - alertou ela. - Portanto, não precisa mais voltar aqui.

Ele fez que sim com a cabeça, e entregou à ela as cópias das chaves da casa.

Ela não se ergueu quando ele partiu, em silêncio. Quando ouviu o som do motor do automóvel se afastando, baixou o rosto entre as mãos e chorou por um bom tempo.

Em parte, de alívio.

- [11-04-2020]