Seguindo em frente

Esperei que ela saísse do trabalho e caminhasse para o ponto de ônibus, como fazia todo fim de tarde durante a semana. Fui me aproximando devagar, vindo pela calçada em sentido contrário, para que ela me percebesse; paramos no meio do caminho, ela me olhando intrigada, mas sem animosidade.

- Isto não me parece ser um encontro casual - ela comentou.

- Não é, realmente - reconheci. - Eu gostaria de falar com você... se puder me ouvir.

- Eu sempre ouvi você - afirmou. - O contrário é que talvez não acontecesse com muita frequência.

- Eu reconheço isso - admiti, baixando a cabeça. E depois, me enchendo de coragem:

- Podemos sentar na lanchonete da esquina, tomar um café? Seria realmente muito bom se você pudesse me ouvir... mais uma vez.

- Eu acho que já sei o que pretende me dizer - ela juntou as mãos, como se fosse me saudar com um namastê. - Mas, está bem. Podemos ter uma conversa, nem que seja pela última vez.

Senti uma pontada no coração, mas ao menos ela concordara em me ouvir. Fomos até a lanchonete. Pedi o latte macchiato que ela tanto gostava, e biscoitos de gengibre. Ela sorriu, agradecendo pela lembrança.

- Isso te traz boas recordações? - Indaguei, ansioso por uma resposta positiva.

- Tivemos muitos momentos bons, mais do que os ruins - reconheceu, enquanto mexia o café na xícara. - Não foi por falta deles que o nosso relacionamento acabou.

- Então... por quê? - Questionei. - Tudo o que sei é que me disse que estava insegura quanto ao que sentia por mim.

- Nós ficamos três meses juntos - avaliou ela. - Foi bom, mas ao longo desses três meses, eu não senti que o nosso relacionamento fosse algo que pudesse crescer com o tempo. Infelizmente, o que aconteceu foi o contrário... eu ficava cada vez mais em dúvida, se permanecer com você me ajudaria a ser a pessoa em que pretendo me tornar; você não me completa. E assim, o meu amor por você foi... esfriando.

Ouvi em silêncio. Ela fizera um resumo, mas muito do que ali havia sido colocado, eu já ouvira em conversas mais extensas que havíamos tido antes, antes da separação.

- Se eu estava insegura, - ela prosseguiu - a sua presença aqui, hoje, me deu a certeza de que fiz a coisa certa. Você, talvez ainda não tenha percebido, mas não me quer de volta porque me ama; o mais provável é que seja o seu ego magoado, pelo fato de ter sido eu a romper o relacionamento, que fica lhe empurrando para tentar me reconquistar. Eu não sou a pessoa certa para você, assim como você não é a pessoa certa para mim. Vamos ser adultos e reconhecer isso, para que possamos tocar as nossas vidas adiante. Eu já fiz isso, aliás. Agora é a sua vez.

Ela acabou de tomar o latte e não tocou nos biscoitos. Depois, agradeceu por tudo e ergueu-se, deixando-me só. Não olhei para trás, para vê-la sair; estava terminado.

- Eu tentei - disse em voz baixa para mim mesmo.

Com o tempo e a repetição, eu sabia que o meu ego ferido acabaria por aceitar aquela realidade. Mas, até lá, ainda iria doer bastante.

- [07-04-2020]