Decepção
Ao que havia acontecido na noite anterior nome ele não soube dar. Ele havia combinado com ela de se encontrarem para uma conversa ou, ao menos, para algum tempo de bem estar. O relacionamento recente dos dois bem que estava a merecer um trato pessoal e assim estava arranjado, aproveitando a presença dela na cidade a trabalho. Tudo dentro da normalidade para pessoas civilizadas e razoáveis.
Depois de várias trocas de mensagens durante a tarde o encontro estava alinhavado. O evento em que ela tinha participação importante avançava um pouco além do fim do dia e ela ficara de lhe avisar assim que cessassem os trabalhos para o ajuste fino do mútuo compromisso. Nada mais a reparar.
No entanto o tempo inexorável não se submeteu a qualquer rogo e posto estava em marcha, como um hábito da natureza. As horas foram adentrando o início da noite, o médio da noite e as altas horas sem nenhuma notícia, qualquer que fosse. Não seria razoável achar que a pessoa que está esperando algo que considera importante vá achar que fica tudo por isso mesmo.
O que houve foi que aquela pessoa preferiu se esconder atrás de um silêncio perdido e covarde. Por quê?
Já se passando para o dia seguinte ele, antes de dormir, nem pode experimentar um sentimento de raiva, ira, chateação, ou seja, nem podia dizer que tinha ficado puto da vida. Porque antes, muito antes, o sentimento de decepção preenchia completamente o espaço.
Era a decepção com a falta de consideração que a pessoa humana merece. Isto era muito mais forte e, ao que parece, imperceptível para um grande número de pessoas que mascaram a importância das coisas por detrás de um sentimento de raiva.
Que sentimento era aquele? Não era arrependimento, pois não estava focado exatamente em escolhas pessoais imediatas. O sentimento tinha foco no resultado negativo e, naquele instante, era uma fonte de estresse psicológico. Viu-se envolto naquela aura de algo esperado que não aconteceu. E pensou em quê, no campo das decisões, a decepção poderia ser evitada. E também em que ponto a inabilidade para lidar com ela traria alguma consequência.
Ele, como uma pessoa intrinsecamente otimista, não haveria de ter um amortecimento emocional para se preparar para a decepção, o que poderia sugerir ser menos capaz em lidar com tal situação. No entanto, ao invés, tinha a estrutura de tender mais a enfrentar as situações da vida, o que lhe conferia um processo cognitivo de compreensão.
A decepção, esse sentimento de descontentamento e frustração pela ocorrência de algo inesperado, era aumentada por ter vindo de pessoa querida, por um comportamento ininteligível para ele. E era isso que lhe fustigava a mente a investigar. Ela, a decepção, se materializava por dois vieses.
O primeiro tinha a via de quem partira a ação. Ela era uma pessoa que trabalhava na área das relações humanas, que trabalhava especificamente com a saúde mental das pessoas, ela era uma pessoa inteligente, com uma cultura acima da média, ou seja, uma pessoa que sabia muito bem medir as consequências de seus atos e, também, de suas omissões. Logo, não seria sensato ter feito o que fez a não ser se por um movimento proposital, o que também não faria senso a considerar o suposto conhecimento que dela ele tinha.
O segundo viés, na mão contrária, era a quem foi dirigida a desconsideração. A ele, que sempre lhe havia tratado ao menos com o respeito superior que as pessoas merecem. A ele, que lhe havia devotado um amor incondicional e sem cobranças. Que sempre lhe proporcionara uma interlocução inteligente e que admirava a capacidade dela e admirava a sua postura perante a vida.
Ele perguntou-se se havia de ter merecido o desleixo. Não mesmo, foi o que decantou da sua mente. Por um instante percebeu que talvez não houvesse bem notado o terreno por onde havia tentado pisar. E por um instante deu-se conta que agora entendia uma frase que ela lhe dissera quando ele havia mostrado interesse por sua produção intelectual: “tu não me conheces”, ela disse. E por um instante ele entendeu que podia ter se enganado e se deu conta que Jacós e Joões talvez estivessem mais próximos de fazer sua cabeça.
Não, ele não podia achar que tivesse merecido esse tratamento. De tudo, convenceu-se que não havia nada a fazer além de tudo o que ele já havia tentado no passado recente. Sua única conclusão era de que ele só poderia prometer para si mesmo que isto não aconteceria de novo. E assim o fez.