Sonhador

Seu olhar estava distante, sonhador. Era possível ler seus pensamentos mais profundos, um por um, refletido nele.

Mantive-me firme, com um falso sorriso de empolgação no rosto, quando, na verdade, somente queria fugir daquele lugar e chorar avidamente. Um nó formou-se em minha garganta, sufocando-me, fitei a parede às suas costas, por cima de seu ombro, na tentativa de evitar sucumbir ao pranto.

- Estou tão feliz! - ele disse animado, sem olhar-me diretamente nos olhos, tão distraído com a própria euforia, que não reparou o estado em que me encontrava. - Finalmente vou embora desse lugar! - Havia certa amargura em sua voz.

Mais do que conhecia mim mesma, o conhecia. E sabia o quanto ele odiava aquela cidade pequena e tudo o que havia nela. Desde as pessoas hipócritas que facilmente julgavam-se com um olhares, cegas aos próprios pecados; às ruas estreitas e sujas, perdidas na banalidade; e até a falta de entretenimento num domingo, além de frequentar a única igreja existente.

Seu espírito livre sonhava exatamente com isso, liberdade.

Permaneci assentindo ao que ele dizia, afinal, já havia escutado antes todas aquelas alegações sobre esse lugar odioso.

Não havia nada que o prendesse aquela cidade. Nem seus pais controladores, seus amigos festeiros ou eu.

Era tarde demais para revelar meus verdadeiros sentimentos. Ele estava ali, à minha frente, perto o suficiente para que eu fosse capaz de tocá-lo, contudo, longe demais para seu coração sequer pertencer a mim.

E quando o momento chegou, o adeus predestinado, facilmente abandonando seus lábios, foi o meu fim. Os seus braços abriram-se em um convite amistoso, do qual não pude resistir. Doeu tanto, não pude imaginar o que a sua proximidade faria a mim. Meu coração estava junto ao seu, apertado, quente e em pedaços nas suas mãos. Não fui capaz de evitar as lágrimas nesse instante, ou trazê-lo mais para perto. Ele apenas ficou em silêncio, abraçando-me como se fosse absolutamente nada demais.

Contudo, ele deveria saber, não havia como negar o que estava escrito em meus olhos. 

E se, por algum acaso, me amasse verdadeiramente, jamais teria partido.

Eliza Braga
Enviado por Eliza Braga em 26/03/2020
Reeditado em 13/06/2020
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