A arte quer ser livre

- A arte quer ser livre! - Frank exclamou em tom grandiloquente, quando paramos o castigado Citroën 2 CV vermelho debaixo de uma árvore junto ao prado. Era um bom lugar para fazer um piquenique, tomar um vinho, comer pão e queijo comprados numa fazenda próxima.

- Só não me peça para tirar a roupa e posar para você de novo - alertei preventivamente, quando descemos do automóvel.

- Não tem ninguém nesse campo num raio de milhas, sua boba! - Exclamou ele, me dando uma palmada no traseiro.

- Na última parada, também não havia, e de repente apareceu aquele fazendeiro com uma espingarda - relembrei.

E, o que era mais engraçado, nem eu nem Frank dominávamos francês além do vocabulário básico. Eventualmente, acabávamos encontrando alguém que falava inglês - e que gostava de americanos. A II Guerra havia terminado fazia menos de dez anos. Aquele povo nos tinha gratidão; afinal, havíamos expulsado os malditos nazistas da terra deles.

- A gratidão só vai até o ponto em que podemos pagar pelo que nos é oferecido - relembrou didaticamente Frank, enquanto entendia uma toalha xadrez sob a árvore. - Não fomos nós que derrotamos os nazistas.

- Foram nossos pais, então - atalhei. - E aquela coisa da arte querer ser livre?

- A arte quer ser livre, - replicou com uma piscadela - mas a sua mãe tem que continuar mandando dinheiro, ou não poderemos nos dedicar à ela. Livre, mas não grátis.

Abriu a garrafa de Bordeaux tinto que havia levado e aspirou profundamente o conteúdo.

- Brindemos à arte! - Conclamou, enquanto eu pegava os copos.

- Acho que vamos precisar vender alguma arte para não precisarmos depender das transferências bancárias da minha mãe - sugeri.

- Claro que sim! - Assentiu ele, enchendo os copos. - Podemos começar com um esboço de você nua, deitada no capô do carro.

- Ai que você só pensa nisso... - suspirei. Mas, no fundo, a ideia soava bem excitante.

Desde que, claro, nenhum fazendeiro enfurecido aparecesse.

- [12-03-2020]