Algo tão íntimo na solidão

Algo Tão Íntimo Na Solidão 🎭

‌Era um domingo gelado, daqueles que o som do vento lembrava os filmes de alma penada. Marcus estava sentado de frente ao um balcão, num bar restaurante próximo ao teatro municipal de São Paulo, tocando ao fundo um Cartola ou as vezes um jazz, aquele teatro era importante para Marcus ali ele se apresentou por diversos anos com seu grupo, e cansaram de ser aplaudidos de pé com casa cheia, por inúmeras apresentações em seus 13 anos de grupo, um grupo que logo depois fracassou e hoje ele coordena um grupo de animadores de festas para buffet infantil e só de lembrar da sua época de ascensão e do seu eminente fracasso bebe novamente seu whisky amargo enquanto olha aquele teatro com nostalgias boas e ruins.

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‌Num exato momento, daquele domingo já quase madrugada e melancólico, entra naquele bar restaurante sua paixão antiga, Marina Levinato que atuou com ele naquele grupo durante 10 anos, mas antes de presenciar o eminente fracasso do grupo aceitou uma oportunidade de fazer figurações em novelas e por ser linda e talentosa logo conseguiu ficar em cartaz com um espetáculo por todo Brasil.

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Era sua paixão antiga, mesmo sendo muito próximos na época de companhia e haverem boatos de serem um suposto casal, nada era confirmado.

Ela entrou e logo atrás de sobretudo preto e cabelos grisalhos seu marido, ele não era de teatro, era um rico dono de franquias de restaurantes que se apaixonara por Marina em uma de suas apresentações e quis por vontade própria bancar alguns dos espetáculos dela, e logo tinha conseguido conquistar aquele difícil e meigo coração.

Marina logo viu Marcus, abriu um imenso sorriso e correu atravessando as mesas vazias, o abraçou forte e ele jurou que era o calor mais gostoso que ele sentia depois de anos. Rapidamente conversaram sobre a vida e sobre suas obras, e ela apresentou seu marido á Marcus, que percebeu não gostar da interação rápida dos dois e resolveu chamar o garçom para encontrar logo uma mesa para ele e sua esposa...

Deram mais um abraço e se separaram, se separaram de novo. Foi bom te ver de novo, ela disse, é sempre bom te ver de novo, ele disse, foi legal ver vc aqui, aquele homem sério disse. E ele ficou de costas ao casal, tomou de uma vez o Whisky c gelo e pediu agora mais um, só que agora... Duplo.

Ouvia a risada dela, ela comentando quanto achava engraçado às reações das meninas do grupo de teatro infantil que ela foi convidada a dirigir, e ele no balcão sozinho fechava os olhos e lembrava da risada dela para com ele de um jeito tão real que podia sentir o cheiro da cochia, o barulho da madeira velha, o calor dos refletores no seu rosto e como ele amava vê lá debaixo de um panelão pois dizia que realçava seus traços e dele, é claro, fazendo ela rir enquanto ela estava nervosa para mais uma apresentação. Lembrava deles fazendo exercícios de respiração e enquanto via os olhos dela com medo, ele a acalmava e ela sabia no fundo que ele era diferente, mas também sabia o porquê nunca tentaram nada, menos ele... Ele nunca soube... Preconceitos? Talvez!?

Ele virou o rosto e viu o velho segurando a mão dela, ele virou de novo e viu os dois se beijando, ele virou o rosto mesmo não querendo olhar e viu eles tomando um belo vinho e ele contando da novidade do seu novo restaurante.

Porque não era Marcus ali?

Porque ele não mereceu essa chance?

Porque ela.....

Mas ele percebeu que em momentos que o velho olhava o celular, ela o procurava de novo e sorria pra ele, e ele sorria de volta, o sorriso dele já era de uma aceitação mas o dela ainda era como se quisesse dizer " eu ainda lembro de tudo também " mas logo os dois desviavam o olhar...

O que ela queria?

Teria sido uma noite longa, talvez foi a noite mais longa, Marcus enquanto bebia mais um duplo lembrava das danças que faziam no camarim juntos e de quantas vezes ela gargalhava com ele, e de um dia que ela deu um selinho rápido no Marcus ao ganharem o prêmio mais importante da cidade. Ela brincava também com ele, era um belo jogo... Pra ela.

Mais um duplo e parecia que a risada dela e o jeito estúpido do senhor de tratar o garçom irritava Marcus e de lembrar que naquela semana ele teria que ter todo o dinheiro do aluguel quase o enlouquecia quase que de uma forma insuportável... Até que no canto do balcão próxima a pia ele viu uma grande e pontuda faca.

Marcelo Deodato

@marcelodeodatoator