Gênesis 2:24

O anúncio do noivado pegou a mãe de Roberto de surpresa. O rapaz era filho único, já completara 30 anos, e como ainda residia com a mãe, esta concluíra que ele jamais se afastaria dela. Várias mulheres haviam passado pela vida de Roberto, mas nenhuma tivera o condão de segurá-lo para si. Até agora.

- E quem é a moça, Roberto? - Indagou a mãe, dona Rosa.

- É uma colega do trabalho, chama-se Sheila - anunciou o rapaz.

- Quando você vai trazê-la aqui, para me apresentar?

- Podemos combinar um jantar - sugeriu Roberto.

Dona Rosa concordou.

* * *

Roberto não alimentava nenhuma ilusão de que as duas mulheres se dessem bem, e isto foi comprovado logo no primeiro encontro. Ambas possuíam temperamento forte e crenças bastante diferentes.

- Você professa alguma religião, Sheila? - Indagou dona Rosa enquanto saboreavam o jantar.

- Não tenho religião, dona Rosa - admitiu a moça. - Se há um deus, ele está muito distante dos problemas cotidianos da humanidade.

A mãe de Roberto quase engasgou com o comentário.

- Mas como assim... se há um Deus? Claro que Deus existe, e criou tudo o que há!

- Guerras, miséria, e toda sorte de injustiça também? - Arguiu gelidamente Sheila.

Roberto acompanhava a discussão apreensivo, olhando ora para uma, ora para outra, sem dizer palavra.

- Deus nos deu o livre arbítrio! - Retrucou dona Rosa. - Não é culpado pelo mau uso que dele fazem os homens.

Sheila fez um gesto de concordância, o que deixou Roberto aliviado. Mas ela voltou à carga logo em seguida:

- A senhora se considera cristã, dona Rosa?

- Mas claro que sou cristã! - Exclamou a senhora com ar ofendido.

- Então, me esclareça um ponto da sua doutrina: Jesus não mandou que os ricos doassem todos os seus bens aos pobres e o seguissem?

- Sim, isso está na Bíblia - admitiu dona Rosa.

- Mas o Roberto me disse que quando o seu marido morreu, a senhora recebeu uma boa herança. E por que não doou tudo para a caridade?

O rosto de dona Rosa ficou vermelho. O jantar acabou ali.

* * *

Percebendo que não conseguiria separar Roberto e Sheila, dona Rosa mudou de tática e apelou para o emocional.

- Filho, já pensou que vou ficar sozinha? Por que não vem morar aqui com sua futura esposa? Prometo que vou me esforçar para aceitá-la do jeito que é.

- Eu nunca vou abandonar você, mãe - garantiu o rapaz. - Mas eu e Sheila queremos ter a nossa própria casa.

E antes que a mãe dissesse mais alguma coisa, ele acrescentou:

- Nunca vou deixar de lhe amar e respeitar, mas esta é e sempre será a sua casa. Aqui, as regras são suas. Eu e Sheila queremos um lugar onde possamos criar as nossas próprias regras, e onde eu possa ser quem eu sou, sem subterfúgios. Há muito que eu não compartilho das suas crenças, mãe, mas foi somente quando conheci Sheila, que isso ficou claro para mim. A Sheila é mais do que o meu amor, é a minha liberdade.

E foi assim que dona Rosa soube que havia perdido a guerra.

- [19-02-2020]