Tardes de Verão

O ENCONTRO

Era uma tarde de verão, novembro de 1991, estava deitada no telhado da casa, contemplando o pôr do sol, quando ouço risadas altas, vozes estranhas e resolvi verificar de onde estavam vindo – Eu morava numa viela, onde além da casa dos meus pais, outras três dividiam aquela rua sem saída –, observo que as risadas eram dos convidados recém-chegados na cidade de um casal de maranhenses que alugaram a casa da esquina. Estacionou na porta da casa, um lendário Corcel 1973, de cor bege, lindo e super conservado para os seus 18 anos de estrada, dele desceram um casal e dois jovens, que graças ao barulho da telha que quebrei sem querer (coisa rara de acontecer, pois eu já ando nesse telhado há anos), minha presença fora notada e o que aparentava ser o mais velho dos jovens e mais alto, me olhou e sorriu, foi o sorriso mais belo que eu já vi em toda minha vida, abaixei com vergonha e fiquei ali até o silêncio voltar, depois que eles descarregaram o carro e entraram na casa, sai do telhado com a imagem daquele lindo sorriso na minha mente.

Alguns dias após aquele episódio, eu estava sentada na calçada da fama (como eu chamava a calçada da minha casa) esperando minha amiga, íamos passear na praia, coisa que fazíamos diariamente, principalmente durante as férias de verão.

Enquanto eu, de cabeça baixa, rabiscava na areia com uma pedra, distraidamente, observo uma sombra à minha frente, certa que era minha amiga soltei em alto e bom som: -Demora da porra! Ao levantar a cabeça, vejo que quem está à minha frente não era a minha amiga e sim o dono daquele sorriso lindo. Senti meu ar sair e não voltar mais, fiquei muda, completamente sem ação e solta em meus questionamentos, quando ouço uma voz na minha mente: -Corre! Outra voz mais firme diz: -Peça desculpas! E antes que eu retomasse minha respiração, ouço um grito: -Vamos embora, Helô! Era a minha amiga, na esquina gritando por mim.

Quando finalmente solto a respiração, ouço uma voz meio grave, suave, saindo com aquele sorriso meigo, era ele me perguntando: -Posso convidá-la para tomar água de coco na praia? Segurando a minha mão, talvez ele estivesse imaginando que eu queria correr dali (e eu queria mesmo – risos). Minha amiga solta outro grito: -Vamos embora, Helô!

O ENCANTO

Estava parada, totalmente sem ação, não sabia se aceitava ou se saia correndo (a segunda opção sempre parece a mais confortável), ele num tom preocupado me pergunta: -Você está bem? Meu coração quase saiu pela boca, disparou descompensado, quando finalmente eu respirei, meio que aliviada, ao mesmo tempo que não queria que ele fosse embora, não queria transformar aquele “encontro” desastroso no último. Sua voz suave, seu sorriso lindo, fui abruptamente resgatada de meus pensamentos pelo grito insistente da minha amiga: -Vamos logo, Helô! (sim, a minha amiga era agoniada, mas eu gostava dela assim mesmo).

Ele soltou minha mão, senti meu rosto arder feito brasa e me dei conta que já estava tagarelando uma pergunta atrás da outra: -Vamos conosco?! Como você se chama?! De onde és?! Quantos anos tens?! Ele solta um belo sorriso, aquele mesmo sorriso de quando nos vimos pela primeira vez e diz: -Nossa, você fala! -Me chamo Ricardo, mas sua amiga está apressada, posso ir respondendo às perguntas enquanto nos dirigimos à praia?

Sem dar-me conta, já estávamos caminhando em direção à esquina da viela, ele chama o irmão mais novo, Gustavo, para nos acompanhar. Aquele seria o primeiro passeio deles à praia, desde o dia em que chegaram.

O mar estava quieto, refletindo o azul do céu, uma leve e constante brisa nos refrescava naquela manhã quente de verão. Sentamos na areia e ele, finalmente respondeu minhas perguntas desordenadas, tinha 20 anos, veio com os avós visitar os amigos, moravam numa fazenda no interior de Pernambuco, adorava dançar forró, queria conhecer a cidade e me perguntou se eu poderia ser sua guia. Veio para ficar 21 dias na cidade, mas se os avós resolvessem ficar mais tempo, ficariam.

Aquele dia foi inesquecível, jamais vou esquecer aquele sorriso lindo, rindo do meu jeito envergonhado. Voltamos para casa por volta das 16hs, bem a tempo de subir no telhado, contemplar o pôr do sol e repassar o filme de tudo que vivi naquele dia. Nos despedimos com a promessa de estarmos juntos à noite…

A DESPEDIDA

Os dias seguiam e cada vez mais vivíamos grudados. Vários programas fizeram parte daquele verão: praia, cinema, shopping, caminhadas na orla, até mesmo sentar na calçada da fama e jogar conversa fora. Numa tarde bonita, Hugo me olha firme e com os olhos marejados solta a pior notícia possível, diz que os avós resolveram antecipar a volta pra casa em uma semana, ou seja, o que aconteceria na próxima semana, vai acontecer já! Meu mundo desabou, uma forte emoção me tomou o fôlego e eu não conseguia falar, só chorava sem conseguir controlar as lágrimas. Um turbilhão de pensamentos passava na minha cabeça: Como seriam meus dias dali pra frente? A saudade, a ausência… Como seria? Só tive uma reação: sair correndo e subir no meu velho telhado, só ele para me segurar naquele momento. Lá eu me sentia forte, poderia conversar sozinha, imaginar, chorar, sem ninguém por perto… Todos aqueles sentimentos eram novidades para mim, eu não sabia o que fazer, eu só chorava.

Naquela tarde o pôr do sol não teve o mesmo brilho, anoiteceu rápido e eu me dei conta que íamos ao shopping buscar as fotos que ele tinha deixado para revelar. Desci e corri para o chuveiro antes que alguém notasse meu rosto vermelho e meus olhos inchados. Já pronta, sentei-me na calçada e me pus a riscar o chão com uma pedra. Senti um cheiro gostoso aproximando-se, quando ele chegou perto, lindo, todo arrumado, cabelo molhado, recém-saído do banho, exibindo aquele sorriso que só ele tinha. Levantei-me e olhando nos meus olhos ele disse: -Eu não quero ir embora! E antes que eu pudesse ter qualquer reação, senti seus braços me envolverem num forte abraço e sua mão, carinhosamente, alisar meu rosto, enquanto sua boca foi ao encontro da minha. Senti então um beijo doce e carinhoso. Uau! Nosso primeiro beijo e no mesmo lugar onde nos falamos pela primeira vez! As estrelas do céu brilhavam intensamente, cada uma de uma cor, sentia como se estivesse andando nas nuvens, parecia estar voando, eu estava sonhando. Ser acordada naquele momento seria o pior pesadelo! Aquele beijo jamais sairia da minha cabeça, aquele cheiro, aquele abraço. Seguimos de mãos dadas para o carro, pegamos o resto do pessoal e fomos ao shopping. Havia alguma coisa no ar, mas ninguém sabia o que era, ninguém poderia entender…

Eis que chega o dia da partida, aproveitamos cada minuto juntos, fomos à praia, passeamos no calçadão, porém, faltava alguma coisa, sentamos lado a lado, observando as ondas do mar, podia sentir o ritmo de sua respiração: ofegante e profunda. Após o almoço, quando todos se dirigiam à calçada da casa, ele parou e me puxou para me dar o último abraço, parecia que não ia acabar e, finalmente, nosso último beijo, o beijo doce, mas com gostinho de despedida, meu coração acelerou descompassadamente e enquanto todos se despediam, saí de fininho e fui para meu cantinho, onde tudo começou, fiquei apenas observando o velho Corcel levar embora aquele sorriso que trouxe o meu primeiro amor de verão.

CorreiaC
Enviado por CorreiaC em 17/02/2020
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