Do jeito que você gosta

[Floresta de Arden, dia. O moço Orlando está na lateral direita do palco, contemplando embevecido o tronco de uma árvore, na qual acabou de entalhar um grande coração atravessado por uma flecha. Com um canivete na mão, ele prepara-se para gravar dois nomes dentro da figura, quando é interrompido por um grito imperioso às suas costas.]

- Pare! O que pensa que está fazendo?

Orlando volta-se, confuso, e depara-se com um jovem bem-vestido e apessoado, usando um magnífico chapeirão vermelho-escuro, a cauda do qual encobre quase totalmente seu rosto, deixando apenas os olhos e o nariz de fora. Trata-se, na verdade, de Rosalinda, disfarçada em trajes masculinos.

- E você rapaz, quem é? - Indaga desafiadoramente, erguendo o canivete.

- Ganimedes, é o meu nome - replica o jovem, aproximando-se a passos seguros. - E você... não é destas terras.

Os dois estão agora frente a frente.

- Eu sou Orlando, um exilado - apresenta-se o moço com uma vênia. - Fugi da corte do cruel duque Frederico, tio da mais bela mulher que jamais pisou sobre o orbe terrestre: Rosalinda.

- Mais um exilado! - Resmunga Ganimedes. - Essa floresta era um lugar pacato até há poucos anos, agora tropeça-se em exilados a três por quatro, e garotos apaixonados que gravam seus nomes nas árvores...

Ganimedes inclina-se para ver melhor o coração entalhado, mãos nos joelhos.

- Desculpe, Ganimedes, mas eu não sou um "garoto" - replica Orlando, guardando o canivete. - Devo ser mais velho do que você, aliás.

- Que nomes iria entalhar nesta pobre árvore? - Questiona Ganimedes sem lhe dar atenção.

- O meu e o de... Rosalinda, é claro - afirma o moço com orgulho.

Ganimedes endireita o corpo e olha com atenção para Orlando.

- Mas é muito amor... só que você não está com cara de apaixonado.

- Como assim? "Cara de apaixonado"?

- Você não está com olheiras, parece que tomou banho recentemente... e penteou o cabelo. Está com uma ótima aparência, aliás!

- Bem, obrigado...

- Dito isto, se a sua paixão chegou ao ponto de danificar as nossas árvores, é preciso encontrar um remédio para ela com urgência.

- A minha paixão não pode ser curada, porque o objeto dela aqui não se encontra. Falta-me Rosalinda.

Ganimedes põe as mãos nas cadeiras.

- Faça com que eu seja a tua Rosalinda e te curarei deste mal, dou-te a minha palavra.

Orlando leva a mão ao queixo.

- Não sei se entendi bem a proposta...

- É bem simples: me corteje como cortejaria Rosalinda, escreva-me versos de amor, beije minhas mãos, se proste aos meus pés, deite a cabeça no meu regaço. Não é isso o que gostaria de fazer com Rosalinda? Pois faça tudo isso comigo, e será curado!

- Mas Ganimedes... - tenta objetar Orlando.

- Rosalinda - retruca o rapaz, dedo em riste.

- Desculpe, Rosalinda - corrige-se Orlando.

Ganimedes pega-o pela mão e diz:

- Venha conhecer o meu cafofo. Estou ansiosa para ouvir tudo o que esse coração apaixonado tem para dizer...

- Ansiosa? - Questiona Orlando.

- Eu sou Rosalinda, já entrei no personagem - retruca Ganimedes.

[De mãos dadas, o casal sai pela esquerda do palco.]

- [31-01-2020]