Uma canção em meus lábios

Absorto em seus pensamentos, Hwam Nam-Kyu caminhava pela areia branca da praia de Hyeopjae. A brancura era quebrada aqui e ali por extensões de basalto negro, que recordavam que a ilha Jeju era fruto de uma erupção vulcânica. E mais adiante, o mar incrivelmente azul do Estreito da Coreia. Queria crer que ter se afastado de Seul com a família, para passar uma semana num dos balneários mais famosos do país, seria bom para colocar a cabeça em ordem - ou pelo menos, afastar-se dos problemas. Mas Jeju, mesmo sendo uma ilha, ainda ficava perto demais de Seul: uma hora de avião, para ser exato. Talvez devesse ter pego a mulher e a filha e ido para, talvez... Okinawa, no Japão.

Voltou-se para ver onde deixara Ah, a esposa, e a pequena Yom. Avistou-as dentro de uma piscina natural de basalto, água pelos tornozelos. Ah acenou. Ele acenou de volta, e depois voltou a caminhar ao longo da praia. Embora fosse maio, não havia ainda muitos turistas naquele trecho, o que ele considerava um alívio. De apinhado, já bastavam as ruas de Seul.

Uma grande e límpida piscina natural surgiu à sua frente. Não havia ninguém ali e ele resolveu atravessá-la em toda a sua extensão; a água fria lhe bateu pelos joelhos no trecho mais fundo, e ele continuou avançando, apreciando que embora o dia estivesse ensolarado, não fazia muito calor. A brisa constante que soprava do mar também contribuía para isso, e fazia esvoaçar a camiseta que vestia.

Estava chegando à borda da piscina, quando o celular tocou. Esperando que não fosse ninguém do escritório, em Seul, puxou o aparelho do bolso do calção e olhou para a tela: número privado. Hesitou por um momento, antes de atender.

- Alô?

- Podíamos ser eu e você aqui em Jeju - disse uma voz conhecida, do outro lado da linha.

- Song! O que pensa que está fazendo? - Sussurrou Hwan, olhando ao redor. Andara tanto que Ah e Yom nem estavam mais visíveis.

- Ligando para você claro - disse a mulher, em tom irônico.

- Pensei que a nossa conversa em Seul houvesse sido final - retrucou Hwam. - Não iríamos mais nos falar, o que houve entre nós foi um erro!

- Um erro o qual você apreciou cada minuto - argumentou Song. - Mas não estou seguindo você, não se preocupe. Apenas parece que tivemos a mesma ideia de passarmos alguns dias isolados em Jeju. Meio óbvio, considerando-se que estamos no verão e meia Coreia corre para cá.

- Como soube que eu estava em Jeju? - Indagou Hwam, desconfiado.

- Sua mulher - alfinetou Song.

- Ela nunca lhe diria para onde estávamos indo! - Protestou Hwam.

- A mim, não; mas ao mundo? Com certeza!

O celular vibrou: acabara de receber um MMS. Ao olhar para a tela, viu que era um print do Facebook de Ah: uma foto da família, todos de óculos de escuros, com a legenda: "Hyeopjae nos espera".

Ao recolocar o aparelho colado ao ouvido, Hwam ouviu Song perguntar:

- Você viu a foto?

- Sim.

- Eu também te espero - disse ela. - Olhe para a praia.

Ele virou-se para a orla e à cerca de 50 m de distância, viu uma mulher de vestido branco, acenando alegremente para ele. Gemeu.

Era a Song.

- [24-01-2020]