Amor de trem, de metrô, à primeira vista

Todos os dias eram iguais. Ela acordava atrasada por ficar até tarde estudando madrugada adentro. O despertador era seu pior inimigo. Pulava da cama e saía derrubando tudo no minúsculo apartamento dividido com uma colega de quarto. Tomou um banho gelado para passar o sono e pegou uma maçã. Antes de bater a porta, observou que sua amiga dormia tranquilamente. Invejou a sua tranquilidade.

Saiu em disparada, desviando das pessoas na rua e pedindo desculpa sempre que esbarrava em alguém. Desceu as escadas pulando alguns degraus. Avistou o trem que pegaria e suspirou aliviada. Ela se juntou a multidão que se aglomerava em torno do trem e entrou. Por sorte, conseguiu se sentar perto da janela. Antes das portas fecharem, ela observou que um rapaz quase perde o trem, contudo não deu tanta atenção. Ele fica em pé por não haver mais banco para sentar.

Ela coloca a mochila nas pernas e tira de dentro um romance que está tentando ler há duas semanas. Porém, sua agenda cai no chão, junto com as chaves do apartamento. O desconhecido que acabara de entrar se abaixa e apanha a agenda. Ela recupera as chaves. Ele lhe entrega o objeto e o contato das mãos causa nela uma carga elétrica desconhecida, mas a tanto esperada.

Rapidamente ela levanta a cabeça e encontra os olhos dele, fitando-a. Em seu olhar ela vê que não foi só nela que aquele contato provocou reações. Ela se perde na imensidão daquele olhar que parece o céu em dias quentes ou o mar com uma ressaca forte, puxando-a para as profundezas. Aquele momento foi eterno ou assim pareceram, pois o tempo parou naqueles poucos segundos. Ali ela acreditou na resposta que o Coelho deu a Alice (“Quanto tempo dura o eterno? Às vezes, apenas um segundo”).

Ela recebeu a agenda e agradeceu o gesto do rapaz. Ele voltou ao seu lugar e começou a mexer no celular, enquanto ela fingia ler o livro, até perceber que estava ao contrário. Notou um sorriso brotar nos lábios dele ante ao seu embaraço. Riu também. Ela o observava de soslaio: ele era ruivo, alto e tinha lindos olhos azuis. Ela possuía longos cabelos louros que estavam presos num coque mal feito, vestia um jeans surrado e usava óculos de grau. Seus olhos castanhos percorriam com curiosidade aquele desconhecido que conseguiu despertar em si algo novo.

Ela cansou de tentar ler o livro. Em seu lugar, começou a tamborilar os dedos das mãos e, por dentro do tênis, os dos pés. Estava inquieta. Fingia não se importar com o olhar dele, que agora estava mais demorado, no entanto, estava impressionada com a rapidez e intensidade daquela atração mútua.

(Eram desconhecidos. Não sabiam nada um do outro. Contudo, ali estavam, se admirando. Olhares fixos e sorrisos de canto. Amores eternos e efêmeros. Uma pergunta pairava no ar: “Onde você estava esse tempo todo?”).

O metrô fez a sua primeira parada e toda multidão que os cercavam desapareceu. A mulher que sentava ao lado dela se levantou e saiu. Eis a oportunidade: a cadeira vazia ao seu lado trazia expectativa. O coração dela começou a disparar.

(Uma sensação estranha no estômago. Mãos desinquietas. Na boca o gosto de melancia gelada. As pernas bambas. A calmaria daquela música que lava a alma e a euforia dos primeiros pingos de chuva numa tarde de calor).

Ele aproximou-se e sentou-se ao seu lado. O coração dela batia estupidamente rápido e desnecessariamente alto. Ele se mexeu desconfortavelmente ao seu lado: apoiou os braços nos joelhos e passou as mãos na cabeça. Talvez ele também estivesse pensando o mesmo que ela: “Como é possível se sentir assim tão inesperadamente?”

(Tudo aquilo era irreal demais para estar acontecendo).

Ela sabia que ele também estava desacreditado de toda aquela explosão de sentimentos. Por isso, encaravam-se com intensidade. Os olhos castanhos dela procuravam a maresia que o olhar dele emanava. No entanto, esse clima foi perdido pelo som da voz da mulher sem rosto, anunciando a próxima estação.

(O amor não começa com gestos ou palavras bonitas, mas começa com o olhar. O olhar carrega quem somos. Assim, o amor não pode ser cego, se começa com um olhar intenso, bonito, encantador. Não sem razão, o amor decidiu acreditar neles e veio de mansinho, enquanto eles estavam distraídos. Eles queriam ser salvos: juntos).

Ele hesitou e olhou para a porta e depois para ela à procura de algum contato. Suas mãos estavam suadas e sua voz não saía. Sentia-se incapaz de dizer algo e ela queria que ele falasse, pois sabia que o desejo queimava nele também, em seu olhar, em sua respiração, em seu corpo. Deste modo, ele olhava-a com toda verdade estampada em seus olhos.

(Prove que o amor não pode acontecer em qualquer lugar. Prove que o amor é para quem não sabe o quer).

E então ele se levantou e vagarosamente caminhou até a porta. Ela, confusa, sentia a dor da partida. O metrô foi parando lentamente na próxima estação e o coração dela parecia querer saltar. Ela virou o rosto quando ele tentou olhá-la. Ela viu pelo reflexo do vidro da janela que ele olhava-a com um grito de esperança no olhar.

(Foi o amor mais rápido e avassalador que alguém poderia ter na vida. A intensidade sentida naqueles segundos marcaria ambos para sempre. Foi, enfim, vida).

Ela podia se levantar e ir atrás dele. Segurar sua mão e prendê-lo junto ao seu coração. E ele poderia (devia) ficar. Não importava mais os atrasos e compromissos. Todavia, não havia mais tempo para alguma escolha. A porta se abriu e ele caminhou para fora, junto com os outros.

Ela levantou. Ele se virou para tentar gravar ao máximo o rosto dela. Ambos tinham os olhos suplicantes por um pouco mais de tempo. A porta se fechou e depois disso não houve distância tão grande quanto aquela.

(Despedir-se de um amor é despedir-se de uma parte de si mesmo. Foi o arremate de uma história intensa de amor à primeira vista).

O dia passou rápido, entretanto, eles não prestaram atenção em nada. Seus pensamentos estavam petrificados na cena do metrô e no impacto que aquilo teria em suas vidas daqui em diante. A volta para casa gerou a expectativa do reencontro, mas esse não ocorreu. Ele pegou o ônibus e ela o metrô novamente.

Ao chegarem em casa, eles tinham um sorriso bobo no rosto lembrando desse encontro casual e extraordinário. Ela, após o banho, pegou a garrafa de vinho aberta na geladeira e foi sentar na escuridão do quarto, iluminado apenas pela luz da lua que entrava pela janela. Pegou um bloquinho e começou a escrever o mais belo poema de amor da sua vida.

Enquanto isso, na mesma sintonia, ele pegava sua tela e cores e ia para o fundo do quintal. Sentou-se no banquinho e começou a desenhar o mais belo retrato de sua vida. Desenhou com perfeição a linda garota loura dos olhos castanhos que pareciam chocolate.

Esse encontrou despertou neles a inspiração que faltava para compor seus trabalhos, para viver intensamente, com esperança e, quem sabe, assim preparam-lhes para amar e ser amado.

(Quem disse que o amor não pode ocorrer no metrô, à primeira vista, e ser eterno?).

Belinda Oliver
Enviado por Belinda Oliver em 16/01/2020
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