Em 1909 a sociedade brasileira ficou chocada com a tragédia da Piedade. O cenário foi o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, e seu palco o subúrbio da Piedade. O ilustre Euclides da Cunha traído por sua esposa Anna Emilia, decidiu lavar sua honra com sangue, mas no duelo foi morto pelo amante dela, Dilermando de Assis. O homicídio do marido traído pelo amante da esposa, tornou-se um escândalo com direito a morte do filho de Euclides tentando vingar a morte do pai. Resultados dos julgamentos: Dilermando alegou legítima defesa afirmando que atirou para se defender e foi absolvido nos dois.
           Em 1946, trinta e sete anos depois, outro crime abala o Rio de Janeiro: a tragédia de Laranjeiras. O rico comerciante Egídio Fonseca, 45 anos, matou a mulher Maria Antonieta, 35 anos, com dois tiros no rosto na mansão do casal. Ele mesmo chamou a polícia e confessou o crime.
          O escândalo deixou a sociedade estarrecida. A família e os amigos do casal não conseguiam entender o motivo de tanta brutalidade. Egídio e Maria Antonieta formavam um casal perfeito. O réu contratou um famoso advogado e até o julgamento, no qual alegou legítima defesa da honra e foi absolvido por unanimidade, não pronunciou uma palavra sobre o crime. Livre, resolveu se defender.
          Nesse ponto o caso fica mais interessante. Na tragédia de Laranjeiras a própria vítima produziu a prova que absolveria seu algoz: seu diário. Egídio mostrou no tribunal trechos do diário da esposa onde ela confessava seus erros. Em maio de 1948, cansado de ser julgado pela sociedade, permitiu que o jornal da Manhã publicasse dois trechos das anotações de Antonieta. O conteúdo é um desabafo de uma mulher libertária, muito a frente do seu tempo.

Rio de Janeiro,  28 de fevereiro de 1935
É carnaval e estou trancada nessa mansão. O dia não foi bom. Soube da morte de Chiquinha Gonzaga. Grande mulher. Como eu queria conquistar a liberdade que ela tinha. Egídio viajou a negócios e Egídio Filho está dormindo ao meu lado. Terminei de ler Dom Casmurro do Machado de Assis. Apaixonei-me por Capitu. Ela é controladora, dissimulada, egoísta e sexual. extremamente sexual. Sou assim. A vida normal de esposa esperando o marido, cuidando dos filhos, da casa, sempre pronta para ser usada por ele me aborrece e às vezes acho que vou explodir. Sou lasciva e rameira. Gosto do perigo, da sedução, da traição, do pecado.
Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1937
Estive na Colombo esta tarde para um chá com senhoras da sociedade e foi cruelmente maçante. Mas meu bom Deus me ajudou. Em uma mesa próxima um homem másculo, viril, olhava-me lascivamente e começamos um jogo de sedução. No final do chá fiquei sozinha na mesa e ele fez-me um sinal para sairmos. Terminamos em um beco, não sei exatamente onde, com ele me possuindo em pé e chamando-me de perdida com sua voz grossa.
Em casa servi o jantar e voltei a ser a esposa obediente e submissa que a sociedade exige. Faço sexo com meu marido, é verdade, mas preciso do luxo, do nome que ele me proporciona, então pago com meu corpo. Não preciso fazer nenhum esforço, apenas abro as pernas e rezo para que ele termine logo. Seria bom que ele arranjasse uma amante. Será que sou a única mulher  no Rio de Janeiro que o marido não tem uma amante? Dai-me forças minha Nossa Senhora.

          A repercussão da publicação dos trechos do diário de Maria Antonieta foi estrondosa. Em qualquer canto da capital federal não se tinha outro assunto. Egídio pegou os filhos e passou um ano em Paris, até as coisas se acalmarem ou outra tragédia acontecer.
          Em 1949 casou-se em uma cerimônia discreta com Maria Augusta Machado Correia vinte anos mais nova que ele. Alguns rumores de que ele seria traído novamente, começaram a circular em rodas sociais, devido a beleza e juventude da nova esposa.
José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 16/01/2020
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