Me deixei pro mar

O marinheiro me tirou para dançar. Enquanto me fazia rodopiar, dava um trago no cigarro de palha, e um gole na cachaça. Ele veio para saber a origem dos meus medos, me ouvia de corpo presente. Olhos e ouvidos atentos. Nossas mãos suavam quando se tocavam, tamanha era a energia. Cada vez que eu olhava dentro daqueles olhos negros, me sentia sugada. Deliciosamente sugada. Minha cara amarrada foi-se; passei a rir como quem não tem contas a pagar. Riso de quem confia.

Entre os rodopios, ele pediu para que eu pensasse num lugar que me trouxesse paz, veio o bloqueio e por instantes estive convicta de que a paz não existia em minha vida. Foi quando, no tempo certo, os tambores da música tocaram forte, mais forte do que eu já tinha ouvido em toda minha vida. Cada batuque penetrava em minh'alma e eu flutuava. A paz estava ali, com nossas mãos dadas e nossos olhos se olhando; em nossa existência e troca. E eu, que tinha tanto medo de sair de mim, nem me vi. Fugi, corri. Fui para longe. Me deixei pro mar. Dancei com a correnteza. Gargalhei entre as ondas. Entreguei meu corpo ao marinheiro, como nunca tinha entregue a alguém. Bebi da cachaça dele, e o abraço apertado me fez retornar a realidade que agora estava mais doce e leve.

GSMG
Enviado por GSMG em 09/01/2020
Reeditado em 09/01/2020
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