AMOR BANDIDO

Meu primeiro amor foi também meu amor bandido. Eu era um adolescente inexperiente, ingênuo, imaturo, com baixa auto-estima e vinha de um lar totalmente desestruturado. Sonhador eu queria viver aventuras, me libertar de raivas, mágoas e de uma vida chata e aborrecida. Foi nesse cenário que Vado entrou em minha vida
Vado tinha 28 e eu 17 anos. Ele era alto, forte, sério, meio carrancudo, mas ao mesmo tempo doce, generoso e romântico. Eu, classe média alta, estudava, ele vindo da periferia, não usava drogas, mas vendia. As pessoas o respeitavam por medo, mas eu nunca tive medo dele, ao contrário, me sentia totalmente seguro ao seu lado.
Nunca vi o lado bandido de Vado. As pessoas são assim. Conseguem ter vários comportamentos em situações diferentes. Para uns elas mostram o lado bom, para outros o lado ruim. Vado me mostrou seu lado bom. Ele foi gentil, doce, protetor, me deu carinho, me escutou e principalmente me ensinou a gostar de mim.
Durante dois anos fui a pessoa mais feliz da face da terra. Deixei de ser um adolescente triste, perdido e cresci, amadureci e aprendi a gostar da vida. Até minha mãe gostou da mudança, mas nunca procurou saber o que ou quem estava por trás de toda essa felicidade. Na verdade ela nunca procurou saber se eram verdade as mentiras que eu inventava para estar com Vado. Ela acreditava em tudo e isso me dava liberdade total.
Um dia, após uma noite de muito amor, Vado me chamou para uma conversa séria.
- O que aconteceu? - perguntei preocupado -
Ele sentou na cama calado e sério.
- Eu vou assumir um ponto só meu.
- Isso é bom não é?
- Em parte sim - ele respondeu sem olhar para mim -
- Então qual é o problema?
- Nós temos que nos afastar - ele decretou -
Fiquei olhando para ele chocado, inerte, sem entender o que estava acontecendo.
- Por que????
- Por que construir um sonho, uma vida que nunca poderá ser real?
- Claro que pode ser real - falei desesperado - Por que não pode ser real? Claro que pode.
- Não, não pode.
- Eu te amo Vado.
- Eu não posso estragar sua vida, seu futuro.
- Eu vou com você para onde você quiser. Você não me ama mais, é isso?
- Eu vou estar exposto, a polícia vai querer minha cabeça, vão me caçar por todo lugar. - ele gritou -
- Eu não me importo - gritei -
- Mas eu me importo - ele continuou gritando - Eu não quero que sua vida seja como a minha. Quero que você alcance as estrelas, realize seus sonhos, caminhe para frente sem olhar para trás. Não posso deixar que desperdiçe sua vida por minha causa.
- Vado eu te imploro: deixa eu ficar com você.
- Não. O Tadeu vai te levar para casa em segurança.
- Por que está fazendo isso comigo?
- Por que eu te amo porra. Eu nunca me perdoaria se acontecesse alguma coisa com você.
Ele me abraçou e choramos juntos.
- Se a gente tivesse se conhecido anos atrás, você seria a minha salvação, mas agora eu posso ser a sua perdição.
Vado me deu um beijo longo, demorado, profundo e me empurrou para fora de sua casa.
- Agora vá.
Não lembro como cheguei em casa nesse dia. Sofri sozinho, calado, sem poder desabafar com ninguém. Minha vida tornou-se um vazio e passei a beber todos os dias. Minha mãe gostou de eu passar mais tempo em casa e nem notou meu sofrimento. Um dia levantei de ressaca e num impulso pedi para passar uma temporada nos Estados Unidos estudando e ela concordou de imediato. Em três meses estava em New York.
Dois anos depois voltei ao Brasil já recuperado, mais maduro e um dia encontrei Tadeu na rua. Ele me abraçou e perguntei por Vado.
- Não sei como te falar isso a não ser sendo direto: Vado morreu há um ano.
Fiquei mudo e Tadeu continuou:
- Foi num confronto com a polícia. Sabe, um dia antes nós estávamos conversando, bebendo e ele disse que você foi a única coisa boa na vida dele. Ele te amou muito.
- Houve enterro?
- Houve sim.
- Você pode me levar no túmulo dele?
- Claro.
No cemitério coloquei uma rosa vermelha no túmulo de Vado e me despedi do meu amor bandido.
- Eu te amo meu querido.
Fui andando para a saída do cemitério chorando até que resolvi olhar para trás e vi Vado em pé, sorrindo e li seus lábios dizendo:
- Eu te amo.
Vado foi nobre. Preferiu desistir de mim a estragar minha vida. Hoje sei que ele realmente me amava e percebeu que meu futuro não podia ser ao seu lado. Ele sumiu e continuei meu caminho. Nem a crueldade do tempo e a irresponsabilidade da vida serão capazes de apagá-lo das minhas lembranças e do meu coração. Vado foi e sempre será meu primeiro e maior amor.
 
José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 05/01/2020
Reeditado em 05/01/2020
Código do texto: T6835158
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