A Nova Educação Sentimental

Teve que correr cerca de dois quilômetros pelo centro financeiro deserto da cidade, até chegar à uma estação de metrô suficientemente distante da manifestação, dispersada com balas de borracha e gás lacrimogêneo pela tropa de choque. Nas mais próximas ao tumulto, os vigilantes de uniforme preto impediam o acesso aos manifestantes em fuga, empurrando-os para fora à golpes de cassetete.

Entrou sem despertar a atenção dos seguranças, apesar dos cabelos em desalinho. Agora, ele era só mais um jovem voltando da universidade ou indo para a balada, com uma camiseta branca onde, abaixo da caricatura de um sujeito com nariz de palhaço, lia-se em letras vermelhas: "ELE É A BALBÚRDIA".

A composição parou na estação e ele embarcou, num vagão ainda bastante cheio e sem nenhum lugar vago. Encostou-se num vão próximo à uma das portas e olhou ao redor, como que para detectar alguma ameaça; foi então que a viu, sentada no meio de um banco à sua frente. Havia outras pessoas junto dela, mas ele só à via, como se um canhão de luz a destacasse num efeito teatral.

Quem era ela, de onde vinha, para onde estava indo, como se chamava, que perfume teriam os seus cabelos escuros? A garota, da mesma idade que ele, parecia absorta consigo mesma, olhos fechados, fones nos ouvidos. Parecia alheia ao mundo que a cercava, e a ele, em particular. Na camiseta branca que usava, lia-se, em grandes letras vermelhas: "SÓ A VERDADE É REVOLUCIONÁRIA".

E então, como que despertando de um sonho, ela abriu os olhos e sorriu ao vê-lo. Inequivocamente. Aquele sorriso fora para ele. Aproximou-se, segurando no balaústre, e parou diante dela.

- Legal, essa sua camiseta - disse à guisa de introdução.

- A sua também é legal - avaliou ela, ainda sorrindo. - Vi muita gente usando várias dessas hoje.

- Eu estava na manifestação - declarou ele, com orgulho.

- Ah! - Exclamou ela, os dentes perfeitos e brancos. - Então você é cliente do meu pai!

- Cliente do seu pai? - Indagou ele, intrigado.

- Estas camisetas, - redarguiu ela, puxando o tecido da que usava - meu pai as fabrica.

E foi então que ele soube, dolorosa e definitivamente, que ela não era para ele.

- [27-11-2019]