Cara Preta...
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(Deus escolheu as coisas humildes e desprezadas
do mundo. Coríntios 1:28-29)
Eu a encontrei, um dia, contando estrelas. Caminhamos lado a lado, sem nada dizer. Conferi seu corpinho franzino, por tantos renegados. Grandes olhos de jade e uma fina calda comprida.
Linda!
Ela me olhou incisiva, o meu rosto inteiro. Conversou e compreendeu-me na linguagem mais dura que existe, que é a fome. Alimentei seus músculos, seus pelos macios e os nossos corações.
E foi então que me dei conta de que a nossa dor era comum. Nossa penúria era compartilhada.
Minha ambição era levá-la comigo. Apeguei-me a ela e o amor costurou-se entre nós.
Eu me abeirava de sua densa suavidade, de sua cara preta de batalha e ela se aninhava ao meu lado, como uma cria.
Ia e vinha de minha vida, descalça e liberta. Chegava mansamente, sempre pressentida e faminta e saia flutuante e muda.
Sua liberdade me doía.
Um dia, não mais regressou. Esperei, esperei, com as mãos apertadas, o soluço doído e o coração partido. É duro esquecer um grande amor.