Jamais se rende ao destino

A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios.

Charlie Chaplin

Manhã de sol, início da primavera no Brasil. Margareth desembarca do avião depois de onze horas de voo. Ela acaba de chegar de Paris e está encantada com a diversidade do país tropical, a terra que acolheu seus ancestrais.

A mulher negra atravessa o saguão do aeroporto e ganha a rua. Respira os novos ares, sorri, e segue na cadência do gingado senegalês. O passaporte revela que ela tem um metro e meio de altura.

Esbanja o look de saia preta plissada, blusa poá e jaqueta jeans. Usa tênis pretos de solado branco. Faz o estilo romântica e sexy, exibindo uma delicada bolsa transversal. O coque no centro da cabeça prende as madeixas de um cabelo preto alisado que lhe cai sobre os ombros. Dona de si, ela jamais se rende ao destino.

Nasceu numa comunidade pobre do Senegal e viveu em choupanas em meio aos conflitos civis. Não conheceu o pai. Perdeu a mãe aos treze anos e saiu de casa quando foi estuprada pelo padrasto. Viu lutas pela honra na aldeia, mas não quis ver sangue derramado, e decidiu partir.

A saga continua em Dacar, colônia francesa, onde ela se envolve em lutas estudantis e trabalha numa instituição do Estado. Aos vinte e nove anos, sente arrebatadora paixão por um estudante estrangeiro dez anos mais jovem. Ao saber que ela espera um filho, o pai da criança desaparece e não dá mais notícias.

De alma inquieta e inconformada com a realidade, Margareth entra na luta contra o imperialismo francês e adere à União Nacional dos Trabalhadores Senegaleses. Durante a greve geral é capturada com dirigentes sindicais e vai parar numa penitenciária do Estado. É julgada e condenada na França por esse ativismo político.

Durante o cumprimento da pena, dá à luz em solo francês. Ao deixar a prisão, trava o mais difícil combate de sua vida. Luta por quinze anos pela sobrevivência do filho e perde a batalha para a leucemia. Não resiste à dor e à solidão, e sucumbe numa tristeza profunda.

A vida não tem mais segredos nem mistérios. Mesmo com o coração sangrando, precisa seguir em frente. Destemida e guerreira, após meio século de vida, ela aceita transpor os ventos alísios do Atlântico e chega ao país do futebol para a missão na Tarefa Global da ONU.

A agenda prevê o encontro com o embaixador brasileiro, homem de características nórdicas, bem ao estilo dinamarquês. Aos quarenta anos, ele exibe vigor e elegância na aparência soberba e altiva, mas convive com a imperfeição provocada pelo acidente que encurtou a perna esquerda em cinco centímetros. A abertura dos punhos da camisa revela pelos abundantes e subversivos.

Educado, esconde a dor da traição, quando encontrou a esposa na cama com outro. Pensou em dar fim à vida dos dois, mas não teve coragem de matar o próprio irmão. Vive seus dias se afogando no álcool, enquanto assessores e alguns poucos amigos fingem nada saber.

Às três horas da tarde, Margareth chega à mansão de tijolos a vista, na região leste da cidade. Segue pela entrada oficial e logo é recebida pelo staff da embaixada.

A representante da ONU surge na porta do gabinete, no exato momento em que o homem alto se levanta e caminha na sua direção. Ao se aproximar, seus olhos se cruzam, e Margareth fica paralisada, perplexa, diante do pai de seu filho.

A vida não para de surpreender...