Cristal quebrado
Certa vez um homem chegou em seu lar trazendo no conforto das mão junto ao peito uma delicada, bonita e reluzente taça de cristal. Ele estava muito feliz com aquilo e por isso cuidava com muito apreço em virtude do bem que ela lhe proporcionava, tanto que fazia questão de ofertá-la orgulhoso à pessoa com a qual dividia a vida. Assim ele cuidadosamente retirou do peito aquele sublime item, tão belo e brilhante, na intenção de compartilhar com outras pessoas a beleza do que trazia consigo, então colocou a peça de cristal exposta em lugar de destaque no qual se adorna em amor no aconchego de sua morada, guardada a sete chaves, mas de tal modo que era visível a todos a exultação que sentia.
Certo dia em efêmero desentendimento com a pessoa a quem foi oferecida a singularidade do encanto do cristal e que em momento de destempero, enquanto esbraveja e gesticulava com as mãos, não se importou ou pareceu não se importar com a fragilidade da taça de cristal que, vítima de um esbarrão, foi ao chão. E o que era belo e intenso se espatifou em poucos pedaços, talvez três ou quatro estilhaços totalmente mórbidos.
O homem triste com o que via, até tentou reparar os danos ao juntar os cacos com todo cuidado sem se importar com o sangue que escorria em seus dedos após se cortar, pois as feridas do seu coração pareciam mais dolorosas e profundas do que as das mãos, ainda sim ele colou peça por peça na tentativa de trazer de volta o relampejo da formosura que outrora tivera o cristal.
E olhando de longe parecia que ele havia feito um bom trabalho, quase não se percebia as marcas do ocorrido, só que a verdade é que aquele objeto reparado já não tinha o mesmo fulgor de antes, já não refletia a exuberância que um dia esteve impregnada em si. E quanto mais se observava de perto, mais se notava as chagas trincadas disfarçadas em cola, e, apesar dessa imperfeição, do que já foi perfeito, o cristal turvo ainda permanecia em destaque no mesmo lugar de antes, sempre, a vista de todos na tentativa inglória de ser o que já foi em tempos áureos.
Entretanto, após outra contenda entre os dois, em que a mesma pessoa não pensou nem por um instante nas consequências de seus atos, ao segurar a taça já debilitada em uma das mãos e num momento de ira lhe arremessou com medonha violência contra a parede. Desta vez o cristal ficou despedaçado em centenas de pequenos fragmentos.
O homem, totalmente desolado, se deu conta de que não adiantaria juntar os estilhaços, primeiro que seria quase impossível encontrar todos eles e segundo que mesmo que os encontrassem, eles já não poderiam mais ser reparados como foi feito no passado.
Assim é a confiança que se assemelha a uma taça de cristal que quando quebrada nunca mais volta a ser como no início. Contudo, existe uma grande diferença entre quebrá-la ao esbarrar nela e ao atirá-la em cólera, pois no primeiro caso até pode ser perdoado, já no segundo provavelmente não.