[MINICONTO] O pôr do sol

O sol se deita vagaroso, dourando aqueles minutos como se fosse a primeira vez. É quando ela pega minha mão e fecha os olhos.

- O que foi? - pergunto.

Ela não diz nada e mergulha em si.

Daqui onde estou, posso ver por dentro do horizonte, que brilha querendo mais, mais e mais, sempre mais, chamas siderais e insaciadas. Sinto elas queimarem, arderem, destruírem. Sinto que logo não sobrará muito com o que acabar.

A pressão na mão aumenta. Desespero, apego, arrependimento. O quê?

- Tá tudo bem? - insisto.

Ela abre um olho, me mira, reage ao sol e ao seu fulgor. Antes de fechá-lo, sorri como Monalisa e me entrega outro silêncio.

Por dentro do horizonte há fogo, eu sei; pelas beiradas, as cinzas se amontoando. Até quando dá para ignorar?

As mãos se desfazem feito nó fraco, talvez já gasto. As pontas dos dedos roçam e são ásperas.

Daqui onde estou, posso ver por dentro do horizonte. E sinto queimar, e arder.

- Sabe, acho que...

- Não, tá tudo bem - ela se apressa, me interrompe, finalmente me olha e me sorri -, tudo bem.

Daqui onde estou, vejo o horizonte que queima, e vejo o que sobra e o que se vai e o que dói, e acho que já estou cego. E como é lindo.