A PIANISTA

Não seria naquele dia inglório o término de uma carreira que havia começado, entre tilintar de taças, sorrisos alargados pela felicidade, discursos concisos e a certeza de que tudo correria dentro das expectativas de corações afetuosos e ansiosos, para ver o próximo capítulo que o destino impalpável, tinha reservado para uma jovem e talentosa pianista, repentinamente acidentada. Há quatro anos a jovem Adele havia terminado seu curso de música em Londres. Os desafios enfrentados foram árduos, mas nem por isso ela desistiu. Morar sozinha em um país estrangeiro envolvia várias situações, a saudade de casa, a falta de amigos queridos da infância, as diversas vezes que adoeceu tendo que resolver sozinha ultrapassando seus limites de tolerância e resignação. Quanto ao idioma não teve nenhum problema, pois era fluente em inglês desde muito cedo. Seu amor pela música era acima de tudo obstinado e este sentimento revelou-se na infância. Seu pai, grande Filósofo e médico atuando na área de Oftalmologia, sua mãe pintora , expunha suas telas numa galeria em Lisboa, cidade, na qual Adele havia executado alguns concertos com muito sucesso. Entretanto, um súbito infortúnio atingiu a vida da moça implacavelmente. Ao retornar de um jantar com amigos músicos, um acidente afetou-lhe a articulação dos dedos e deixou-lhe incapacitada de continuar sua carreira de pianista, até quando o quadro clínico fosse resolvido.

Quando ainda em casa dos pais, as tarde de inverno eram refinadas com músicas clássicas e conversas filosóficas, este fato fez com que Adele amadurecesse muito cedo, rodeada, pelas artes, consolidando muitas de suas ideias influenciadas por Platão e seus antecessores: Pitágoras, Heráclito e Parmênides. Amante da literatura, além de estudar música embevecia-se com as leituras de seus prediletos, Charles Dickens, Exupéry, Rumi, Ghoethe, Hemingway, entre outros.
Retornando ao Brasil, para tratamento médico e ficar um pouco ao lado da família, a pianista estava otimista quanto a sua recuperação, para dar continuidade a carreira, que tanto lhe havia dado prazer e sucesso.
Um jantar foi organizado pelos pais de Adele tendo à frente Marcela, amiga querida , pessoa pela qual todos tinham afeto e consideração. Por ocasião da partida da pianista para fora do país, Marcela lastimou muito, pois eram confidentes, uma amizade fraterna , sincera e duradoura. A noite foi agradável, reuniram-se em um grande jardim ao lado da casa, sob um céu lindo, brilhante e primaveril. Marcela trabalhava com deficientes visuais congênitos, esta atividade trouxe-lhe um grande amigo, com o qual mantinha contato. 


O domingo chegou com muito sol e nuvens esparsas saudando a primavera. Marcela fez uma ligação para Adele: - Amiga, hoje estou programando almoçar em um restaurante novo que serve comida mexicana, gostaria de ir conosco? Adele, surpresa responde: - Conosco?? Minha amiga está namorando?! Marcela retruca: - Oh! não estou, atualmente! Mas tenho um grande amigo que irá comigo e vou apresentá-la. A confirmação foi imediata. Poucas horas depois estavam os três em um restaurante mexicano, colorido, alegre, muitas almofadas, com plaquinhas de "señor" e "señora" que descontraiam o ambiente. Pedro era um rapaz moreno de cabelos lisos jogados intencionalmente na testa, de fisionomia tranquila, com uma sensível particularidade: era deficiente visual. A conversa fluiu rápido sem questionamentos, envolvidos em assuntos agradáveis, os três passaram uma tarde inesquecível. Adele e Pedro tornaram-se amigos, mesmo sem a presença de Marcela os dois saíam para lugares nos quais, Pedro pudesse aproveitar, sentir o ar fresco da noite ou em manhãs cuja brisa lhe tocava a face em sussurro. Muitas trocas de ideias, conversavam sobre música, sem nem mesmo, Pedro saber ou colocar em pauta sobre atividades profissionais que Adele supostamente fizesse. Sabia sobre o acidente, mas nunca sobre o que o fato dela ser uma pessoa ligada diretamente à música. Não muito tarde, o amor tocou os dois corações. Pedro apreciava a meiguice , o cuidado com que Adele o tratava. A escolha de lugares que sempre condizia com a sua deficiência o fascinava. A paz e a discrição de Pedro encantavam Adele.

Tudo foi mágico e perfeito, até quando... O dia estava nublado ameaçando chuva, nada convidativo para sair de casa. Pedro sugeriu que Adele fosse até seu apartamento, lugar que dividia com sua mãe, já conhecida, havendo uma grande afinidade entre as duas, namorada e mãe. Em um momento, sozinhos na sala, Pedro próximo de Adele , toca-lhe a face, sua voz um pouco trêmula, falou: - Eu amo você , Adele, mas não posso esconder-lhe algo que me tira o sono muitas vezes à noite. Adele, responde: Conte-me tudo, por favor! Pedro , responde: - Eu sou apaixonado pela música, em particular por piano e tenha uma paixão por músicas eruditas, clássicas, já sabes, porém sou apaixonado pelo som de duas mãos que tocam este lind
o instrumento e sequer sei o nome da “pianista renomada “, conhecida de Marcela que me traz músicas gravadas por ela. Poderá um homem amar duas pessoas? Ou ainda, poderá um homem amar alguém através da música que ela executa sem nunca tê-la tocada ou sentido? Absolutamente feliz, Adele une as mãos de Pedro, as leva ao coração e diz: - Sente este coração que te ama e afaga estas mãos que tocaram melodias fazendo-te amar através da essência e da arte que aprendi. De agora em diante ouviremos as músicas que executei, sem imaginar que estava tocando para alguém tão especial e eterno em minha vida.






 

Verdana Verdannis
Enviado por Verdana Verdannis em 01/10/2019
Reeditado em 18/04/2024
Código do texto: T6758726
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