Os Jardins de Bastião
(Contos/Drama/Romance)

 
                                                                                                          Por: Antônio Souza
 
Sina é um substantivo feminino da língua portuguesa que significa destino, fado, sorte e por aí vai... - você pode estar me perguntando, mas por que isso num conto?! Logo assim na introdução?! E eu lhe digo: - por que é isso o que você vai ler sobre esse moço moreno, de altura mediana, mais pra negro que mulato, dono de um sorriso encantador, embora tivesse os dentes trocados. Novamente você há de me perguntar: - Como isso é possível um sorriso lindo com dentes esculhambados, e eu te digo: - sim, a beleza desse rapaz, de vinte e sete anos, estava na alma, na sua postura, na sua entrega de prestação, gentileza e meiguice, coisa que já trouxe de berço... - bem, espero que já esteja gostando da leitura…, continue.... Aposto que vai gostar.
 
Esse amável rapaz foi abençoado a viver numa cidadezinha linda, mas traído pelo destino de um amor tortuoso e cheio de maldades, teve a sorte ou o azar (você vai dizer) de estar ali sozinho no mundo, pois seus pais e família...- deles, nunca soube e dele nunca ninguém quis saber ou fizeram procura. O que se sabe é que chegou naquele interior do Amazonas levado por dois missionários envelhecidos que após pouco tempo voltaram para a Inglaterra a terra natal, deixando Sebastião ao Deus dará. - Bastião, como gostava de ser chamado, não tinha estudo algum, mas a vida o fez mestre em jardinagem, coisa que os missionários adoravam e todos na cidadezinha também. A humildade do moreno cativava todo mundo e para ele nada faltava, não ganhava muito dinheiro, mas gostava do que fazia e vivia razoavelmente feliz... - até conhecer Valdete. Isso mesmo, uma mulher por nome de Valdete.
 
Bastião cuidava dos jardins da minúscula cidade como se fossem seus, em todos quintais e na única pracinha havia a sua marca de zelo e quando estava trabalhando parecia falar com as plantas, o seu semblante era sempre de alguém que está feliz... os moradores diziam: - esse moreno tem a mão divina pra cuidar de jardins, tudo que planta fica bonito - e era assim; não fazia questão de pagamentos, quem o pagava ele agradecia e quem não lhe desse nada, também cuidava do mesmo jeito... sempre que passava por alguém nas ruas, perguntava docemente: - tá aguando as plantinhas?..., e ria sorrateiramente, as pessoas, também... - morava numa casinha branca bem pequena que os missionários deixaram pra ele, - não preciso dizer como era o seu quintal, não é mesmo?!. - Mas vou dizer...: - era lindo, todo florido e cheio de árvores frutíferas, um verdadeiro pomar. Entretanto, não passava o tempo todo ali, pois era sempre requerido a cuidar dos jardins de rancheiros da redondeza, recebia por isso e guardava tudo que lhe sobrava... na verdade aprendeu com os ingleses de origem Judia a não gastar tudo que ganhava, se fosse cem, sempre guardava vinte e com os oitenta vivia... mais ou menos assim, você entende, não é?! Pois muito bem...
 
Sempre que Bastião voltava de suas pequenas viagens, notava que sua casinha estava bem arrumada, limpinha, como se alguém estivesse cuidando enquanto estava ausente, porém em nada mexiam, tudo do mesmo jeito que havia deixado, até as frutas maduras das árvores; - então ele as colhia e dava para seus vizinhos e amigos, brincava consigo mesmo, dizendo a frase que os índios sempre dizem: - “Tupã ta me ajudando”, ria descontraído e ficava por aquilo mesmo, nunca perguntava de ninguém se alguém esteve em sua casa, mesmo um tanto afastada da comunidade. À tardinha ele ia para praça aguar e cuidar das plantas, mesmo sem receber nada por aquilo. - Bastião olhava as moças bonitas passeando e às vezes, lhe caia um semblante triste; - já naquela idade, nunca se curou de um cacoete que tinha no ombro e uma leve dissonância na fala, coisa que o tornava tímido com as garotas, mesmo sendo de boa aparência, também, nunca teve uma namorada a não ser as flores. Mas alguém o observava e não era de pouco tempo.
 
Valdete, era uma garota, quase mulher adulta, vivia em conflito com a sua família, pois eles reprovavam o seu modo de ser, sempre atirada, frequentadora assídua de bares e nada bem falada, diziam até que se prostituia. Ela soube que um comerciante da cidade intermediava uma poupança para Bastião e fazendo seus cálculos imaginou que até aquela data a quantia guardada era bastante expressiva, uma boa grana que lhe encheu os olhos. Assim, começou a tentar sorrateiramente Bastião... e não tardou muito em conseguir o que queria, leva-lo para cama. - Mesmo sem paixão o bom moço se rendeu as tentativas da mulher vulgar, - ela já o esperava na sua casinha, e o inferno de Bastião surgiu; sabia que não era exatamente aquilo que queria, mas foi tragado pela sedução da moça bem traçada de corpo, mas de péssima índole.  Decidida a mudar de vida Valdete idealizou uma trama para se dar bem. Pensou: - Vou engravidar desse abestado, em pouco tempo mudo de vida, fico com essa casa e a criança e arrumo um jeito de manda-lo embora, ainda pagando pensão para mim e pro meu filho... sou nova depois dou um jeito de Armandinho vir morar comigo. O tal fulano era o seu amante, ela era louca por ele, mesmo sabendo ter mulher e um filho.
 
As tardes de Bastião se modificaram, seu semblante, enquanto cuidava das plantas na praça, já não era o mesmo; isso foi notado pela sua observadora de sempre que o vendo triste resolveu se manifestar: - oi, Bastião! Como você está me parece preocupado – era Luiza uma jovem mulher servidora da Prefeitura e conhecida do jardineiro. Ao vê-la falando consigo pela primeira vez Bastião estremeceu, pois tinha por ela uma paixão escondida, mas nunca se atreveu em cortejá-la dado a sua timidez e a distância que ele imaginava haver entre eles. Ela bonita, bem empregada, além de culta, gostava de declamar poesias, e fazia isso, quase sempre, na pracinha, educando adolescentes e jovens que gostavam de literatura; Bastião quando a via assim em pleno delírio poético viajava em suas imaginações, Ele adorava poesias e também tinha suas composições escondidas, mas era apenas um pobre jardineiro. - Aos tropeços, entre o cacoete e a fala meia gaga, se abriu com a bela mulher: - Sim, parece que o inferno me sugou e eu não sei como me livrar d’uma situação. Luiza meneou a cabeça e disse: – Imagino o que está lhe ocorrendo, aliás, não somente eu, mas toda a cidade, é a tal Valdete, não é mesmo?! Ele acenou timidamente com a cabeça, depois falou: - Sim, ela se socou lá em casa, não quer mais sair e eu não sei como mandá-la embora. Em silêncio pensou: - ah, se fosse você, eu estaria tão feliz. - Luiza também pensou em silêncio se condenando: - a culpa é minha se ele soubesse que o amo, e que sempre foi eu que cuidou de sua casinha enquanto viajava, talvez fosse diferente eu sinto que ele também gosta de mim... – então falou: - Posso ajudá-lo, vou falar com o delegado e ele a fará sair de lá. – Faria isso por mim? Ela disse: - sim, aguarde, amanhã mesmo ela sai de lá.
 
“Tudo que o mal precisa é de um deslize para nele se justificar”
 
E foi assim, ao chegar em casa esperançoso que aquela noite seria a última de seu tormento, Bastião foi surpreendido: - Estou grávida você vai ser Pai! Disse Valdete com sorriso de vitoriosa. Bastião murchou. Fingiu alegria, disse ter esquecido algo na praça e foi procurar Luiza, pediu que nada fizesse, ela lhe perguntou: - por quê? Ele nada respondeu e voltou para casa. Luiza bufou: - Não acredito - e começou a chorar, pois o viu muito próximo de si e achava que tudo ia mudar entre eles e ela teria também o seu amor. Mas não foi assim.
 
O tempo passou, Bastião intensificou suas viagens e se preparou para ser Pai, uma sensação de angústia e desespero lhe corroía a alma, mas pensava na criança e no Pai que nunca teve, dizia consigo: - Não quero fazer o mesmo que fizeram comigo, mas vivia infeliz. No tempo certo Valdete pariu, eram gêmeos, uma garotinha e um garotinho. Bastião ficou radiante, Valdete também sorriu, porém, pensava mais na pensão que nas próprias crianças. Elas cresceram; aos dois anos já sabiam falar, quando Bastião voltava pra casa ficava feliz com os gêmeos e passou a dedicar-se mais a eles. Isso incomodava Valdete por que não deixou de ver Armandinho e sempre o levava pra sua casa quando Bastião estava ausente; com Ele, também ia seu filho de quatro anos. - Bastião trouxe pra casa um lindo cachorrinho bem branquinho mistura de labrador com vira latas e deu para as crianças, elas adoraram, puseram nele o nome de “Rex” e passavam o tempo todo com ele como se afagasse a saudade do Pai. A mãe as maltratava, estavam sempre sujas em roupas velhas e as deixava sozinhas em casa pra sair com Armandinho pela noite, sem a menor vergonha. O comentário na cidade era triste, todos se apiedavam de Bastião, mas as flores que plantava pareciam querer lhe confortar estavam sempre lindas, ainda que não fossem cuidadas. Um dia a garotinha falou pro pai: - ela só dá pra gente feijão com arroz, eu peço, mas ela não dá carne pra gente, só pro filho daquele cara que vem aqui, o Rex só come calango e bichos do mato. Bastião ficou triste e intrigado, pois sempre deixava em casa carne, frango e bastante peixe, mas as crianças gostavam mais de carne.
 
Valdete entendeu que havia chegado a hora de juntar-se com Armandinho, poucas horas antes de Bastião chegar a casa ela se auto espancou, gerou hematomas como se tivesse apanhado de alguém, logo que Bastião chegou ela encenou uma confusão, Ele retirou-se para não brigar e ela foi na delegacia prestar queixa o acusando de maus tratos e espancamento, também pediu uma medida protetiva, que ele deixasse o lar. O Delegado recém-chegado na comarca não conhecia Bastião e mandou prendê-lo o alarido na cidadezinha foi grande, pois ninguém acreditava em Valdete. Bastião permaneceu preso, pois nesses interiores os juízes passam apenas uma vez no mês e assim, ficou esquecido na prisão... implorava pra sair, pelo menos para aguar as plantas da pracinha e voltar pro xadrez, ainda assim não lhe era permitido. - Luiza estava aflita, pois também não podia fazer nada; à época era de eleições municipais e ninguém queria se meter em questões polêmicas, o próprio Prefeito que conhecia Bastião e sabia do seu trabalho na cidade se acovardou e ficou omisso.
 
Nesse interim chega na cidade a Doutora Cristina Medeiros, Advogada criminalista, também especialista em direito eleitoral; havia na cidade uma confusão entre candidatos, com sucessivas ameaças de mortes, um dos candidatos a contratou para que o protegesse nos ditames da lei. - Antes que o avião pousasse, lá nas alturas, ela se encantou com a cidadezinha no meio da Floresta, achou parecido com contos de fadas dado a lindeza de sua jardinagem, as diferentes cores das flores contrastando com o verde da mata, vista do alto, era algo de esplendoroso e ela adorava flores e jardins, além de animais em particular cachorrinhos. - A cidade não tinha hotéis, apenas pensões e pousadas; enquanto caminhava em busca onde se hospedar ia se encantando com os diversos jardins nas diversas casas, ao passar pela pracinha, caminho obrigatório, ela parou, descansou a maleta no banco e ficou a se encantar com as flores que pareciam falar pra ela alguma coisa, também percebeu um grupo de jovens em círculo ouvindo uma moça recitar poesias, pensou consigo: - Meu Deus que coisa mais linda, uma praça encantada e jovens ouvindo poesias, que maravilha! – Aproximou-se e passou a fazer parte da plateia de Luiza que laborava naquele instante.
 
Pouco depois foi pra pensão bem pertinho da praça. Logo ao preencher a ficha de hóspedes a senhora dona da pensão arregalou os olhos quando viu o nome e a profissão de Cristina e exclamou: - Nossa mãe de Deus, a Senhora é a Doutora Cristina Medeiros, aqui na minha pensão?! Cristina sorriu e perguntou: - A senhora me conhece?! - Margarida, também mãe de Luiza, respondeu de um impulso: - Sim com certeza, mas quem não lhe conhece a mais famosa advogada criminalista do Amazonas, meu Deus quanta honra, veja só a senhora, hoje mesmo a minha filha falou no seu nome... aquele momento se prolongou e a dona Margarida contou toda história de Bastião para Cristina. Quando ela disse que o Bastião era o jardineiro que fez toda aquela maravilha que viu, ela comprou a causa de graça; pensou consigo: - Alguém que cuida tão bem de uma flor, jamais toca numa mulher com grosseria – tem muita coisa errada nisso. Por um instante percebeu que algo de estranho estava lhe acontecendo, uma mistura de alegria e tristeza lhe cortou a alma; deixou a pequena mala no quarto e voltou, Margarida a abordou: - já vais sair, não quer algo pra comer?! Sim, vou sair me diga onde fica a delegacia, quando voltar comerei alguma coisa, obrigada. Cristina era uma linda mulher entre quarenta a cinquenta anos.
 
Em menos de uma hora a Doutora Cristina estava de volta a pensão e não vinha sozinha, Bastião estava consigo; Margarida tomou outro susto: - Meu Deus a senhora o libertou, mas como, assim, tão rápido?... o que disse pro Delegado – Cristina respondeu: - Quase nada... – na verdade quando o Delegado a viu chegar, tremeu dos pés à cabeça, já a conhecia de outras praças e sabia a força que tinha, também sabia que não podia manter alguém preso por tanto tempo, sem ordem judicial, portanto quando Cristina o inquiriu ele prontamente soltou Bastião para que respondesse o processo em liberdade. Porém, o fato mais emocionante se deu quando a Doutora avistou Bastião triste no xadrez, o impacto do primeiro momento foi transcendental, ambos se olharam como se já se conhecessem, Cristina sentiu vontade de abraça-lo e uma inexplicável vontade de chorar. Bastião também ficou atônito e gaguejando perguntou: - A senhora me conhece, veio me libertar? E sentiu algo muito estranho. Ela disse: - Sim, você vem comigo. E conversaram.

A Doutora Cristina disse para Margarida: - Mande preparar um quarto, ele vai ficar aqui por uns dias, até que resolvamos esse problema de uma só vez. E assim foi feito. Então ela explicou para Bastião: - Você não pode voltar pra casa agora, ela pode aprontar outra coisa pior com você, vamos obter provas de tudo o que você já me falou e o resto deixa comigo. Bastião acenou que sim. Ela completou: - não se preocupe com a pensão é por minha conta.
 
Naquela mesma noite Luiza ao chegar em casa soube do acontecido e que Bastião estava hospedado ali na parte inferior de sua casa a pensão, sentiu coisas estranhas, uma mistura de prazer e desejos perguntou da mãe em que quarto ele estava. Bastião saudoso de uma boa cama, seminu, dormiu profundamente; em seu quarto um vulto passava entre as cortinas. A Doutora Cristina inquieta não conseguia dormir, ao abrir a bolsa em busca de um comprimido uma foto caiu e ela sentiu um frio arrepiante no mesmo instante que pensou em Bastião se estava dormindo bem, levantou-se foi pra janela e ficou a respirar o aroma de flores que corria em toda cidade, por fim deitou-se e dormiu com a foto em seu corpo.
 
Na manhã seguinte a Doutora Cristina e Bastião foram pôr em prática o plano que arquitetaram para recolher provas da desonestidade de Valdete, muitas pessoas se comprometeram em testemunhar, pois sabiam, ela era infiel e traiçoeira, além de maltratar as crianças. Bastião chamou Cristina para que fosse na hora do almoço em sua casa, momento também que Armandinho levava o seu filho para almoçar. Cristina disse achar perigoso, se ela os visse poderia botar todo o plano em risco, mas Bastião insistiu e falou que eles se esconderiam debaixo da casa, posto que os pilares eram de madeira e podia esconde-los ali, então olhariam e escutariam toda conversa por entre as brechas do assoalho de madeira e assim foram. Engatinharam rés ao chão e ficaram na espreita. Armandinho e o filho já estavam à mesa. Cristina ligou o celular pra filmar e gravar. Nesse instante Rex latiu pressentiu algo e saiu da casa, mas vendo Bastião se calou e ficou muito feliz. A mesa estava pronta, na cabeceira Armandinho com o filho ao seu lado e Valdete no lado esquerdo da mesa. Cristina perguntou baixinho de Bastião: - cadê os gêmeos? – Ele apontou pro outro lado no chão, era onde eles comiam junto com o Rex, nesse instante o menino perguntou da irmã: - cadê o Rex e a irmãzinha respondeu, foi atrás de calango pra comer, tu n’um viu ele latindo... Valdete fez como sempre fazia serviu apenas arroz e feijão pros gêmeos e começaram a almoçar, momento que Cristina e Bastião ouviram a menina dizer: - “Tu vai feijãozinho, tu vai, sem carne mesmo, mas tu vai”... e repetia: "Tu vai feijãozinho, tu vai, sem carne mesmo, mas tu vai"... – Cristina quis chorar, Bastião recostou-a em seu peito e por um instante ficaram assim, engolindo o pranto.
 
Cristina estava arrasada quando voltou à pensão e dona Margarida notou; pra puxar conversa mostrou uma foto que havia encontrado em seu quarto na hora da limpeza: - Doutora minha filha encontrou essa foto no seu quarto, estava caída no chão. Cristina olhou detidamente a foto e seu semblante se entristeceu ainda mais, na sua cabeça passou que a criança da foto poderia ter passado por situações iguais a que acabara de ver na casa de Bastião. Margarida não disse mais nada. Cristina foi pro quarto chorar. Na pracinha enquanto recitava poesias para seus alunos e admiradores, uma lembrança não saia da cabeça de Luiza, a noite enquanto admirava Bastião dormindo. Estava deveras impressionada e achava muito estranho tanta coincidência. Em seus pensamentos dizia: - Nada é por acaso, tudo tem uma explicação.
 
Dois dias depois o Juiz e o Promotor chegaram à cidade; a Doutora Cristina já tinha tudo que precisava para derrubar a acusação de Valdete. Tanto o Promotor como o Juiz conheciam Cristina e já sabiam que ela estava ali remexendo em tudo, assim era conhecida por isso todo mundo a respeitava. Diante das provas robustas e incontestáveis o Promotor não recebeu a denúncia e o magistrado expediu uma ordem de busca e apreensão das crianças, passando a guarda definitiva para Bastião com prazo de vinte e quatro horas para que Valdete saísse do imóvel. Ela buscou apoio em Armandinho, momento que foi surpreendida pela mulher dele em plena praça e levou uma surra de fio elétrico, além de perder um bocado de cabelos. Envergonhada pegou o primeiro barco de recreio e sumiu da cidade e dela ninguém soube mais nada.
 
A Doutora Cristina já estava de partida, nesse instante Luiza que nunca havia lhe trocado palavras por achar que ela estava interessada amorosamente em Bastião, tentou se redimir abrindo conversa com ela e tocou no assunto da foto, perguntando se aquela criança era seu filho. Cristina entristeceu e apenas disse: - é uma longa história, não temos mais tempo para que eu lhe conte. Meu avião já está chegando. Luiza poetisa e quase sensitiva viu uma luz diferente no olhar da Doutora e algo a inquietou, então lhe falou: - queria lhe contar algo que está me incomodando demais, fui eu que encontrei a foto e vi que a criança tem uma marca idêntica à que tem no corpo de Bastião. Cristina sorriu sem graça e disse: - Coincidências, Bastião deve saber quem são seus pais. – Luiza radiou e disse rápido: - Não, não sabe, nunca soube, ele simplesmente apareceu aqui trazido por uns missionários ingleses. Cristina lembrou da idade de Bastião e gelou dos pés à cabeça, em seguida começou a chorar... Ele é meu filho que me roubaram quando eu tinha apenas dezessete anos, sim foi mandado para o estrangeiro e nunca soube mais nada... ah, meu Deus.
 
Por isso aquela emoção na prisão, por isso Cristina foi parar ali, naquela minúscula cidade, sem grandes motivos... nada é por acaso, absolutamente nada.
 
Bastião encontrou sua família, curou-se da gagueira e do cacoete, casou-se com Luiza que tanto o amava, mas não deixou a cidadezinha, até hoje está por lá, feliz cuidando de seus jardins, com os gêmeos e o Rex que já não come mais calangos.
 
 
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Antônio Souza
(Contos/Drama/Romance)
 
 
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